terça-feira, 13 de outubro de 2015

Poesia, Amor e Felicidade: Elementos essenciais nas relações e ao bem estar do seres humanos

A poesia de Ferreira Gullar.

O enveredamento pelo mundo da poesia é algo natural no ser humano, sendo que em alguns, após o primeiro contato, há um alheamento das manifestações poéticas. Isso ocorrerá principalmente pela não identificação do sujeito com a mensagem contida na poesia.
Essa identificação se dá quando a poesia “fala” ao sujeito desde os primeiros instantes do contato e vários fatores irão concorrer para essa empatia entre ambos – o sujeito e a poesia – tais como a mensagem contida, o momento vivido e, mais distante, o autor que irá movimentar através do seu texto as emoções, propósito final da arte poética.
Autores – e autores bons – não hão que faltar em um país tão rico culturalmente como o Brasil. Citar nomes se tornaria uma tarefa extenuante dado a quantidade e variedade de poetas tupiniquins. Mas como todo mortal tem suas preferências, um poeta que tem se destacado em minhas leituras no gênero é Ferreira Gullar. Sério em alguns momentos e irreverentes em outros e engajado em outros ainda, este se tornou o meu preferido, sem desmerecimento de tantos outros bons que temos em nosso cenário.
A seguir, destaque para alguns textos deste que é nosso vizinho – maranhense – e que tem muito a contar e nos emocionar e fazer refletir com suas criativas poéticas.

O açúcar

O branco açúcar que adoça meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro e afável ao paladar
Como beijo de moça, agua
Na pele, flor que dissolve na boca.
Mas este açúcar não foi feito por mim.
Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nasceu por acaso
No regaço do vale.
[. . .]
Em usinas escuras
Homens de vida amarga e dura
Produziram este açúcar branco e puro
Que adoça o meu café esta manhã em Ipanema.

X .X.X.X

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera
Outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte é linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
- que é uma questão de vida ou morte –
Será arte?
              
z/z/z/z/z/z

Agosto 1964

Entre lojas de flores e de sapatos, bares
Mercados, butiques,
Viajo.
Num ônibus Estrada de Ferro – Leblom.
Volto do trabalho, à noite em meio,
Fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
Relógio de lilases, concretismo,
Neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
Que a vida
Eu compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso que sufoca,
A poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão
Mas não ao mundo. Mas não à vida,
Meu reduto e meu reino.
Do salario injusto
Da punição injusta
Da humilhação, da tortura, do terror,
Retiramos algo e com ele construímos um artefato,
Um poema,
Uma bandeira.

(Os cem melhores poemas brasileiros do século. In: MARICONI, Ítalo (org.).
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001).

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No campo da poesia social – aquela poesia comprometida com os problemas sociais – Ferreira Gullar também se destaca, vez que ainda hoje faz poesia engajada. A que segue é um exemplo:

Homem comum

Sou um homem comum
De carne e de memoria
De osso e esquecimento.
Ando a pé, de ônibus, de taxi, de avião
E a vida sopra dentro de mim
Pânica
Feito a chama de um maçarico
E pode
Subitamente
Cessar.

[ . . . ]
Sou um homem comum
Brasileiro, maior, casado, reservista,
E não vejo na vida, amigo
Nenhum sentido, senão
Lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino
Mas a poesia é rara e não comove
Nem move o pau de arara.

Quero, por isso, falar com você
De homem para homem, apoiar-me em você
Oferecer-lhe o meu braço
Que o tempo é pouco
E o latifúndio está aí, matando.

[ . . . ]
Homem comum, igual
A você
Cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo
A sombra do latifúndio
Mancha a paisagem
Turva as aguas do mar
E a infância nos volta
À boca amarga,
Suja de lama e de fome.
Mas somos muitos milhões de homens
Comuns
E podemos formar uma muralha
Com nossos corpos de sonho e margaridas.

( GULLAR, Ferreira. Toda poesia (1950 – 1999). Rio de Janeiro:
José Olympio, 2000). 


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O que faz você feliz?

Cotrim (2010) afirma que “segundo alguns estudiosos, três ideais ou valores foram ganhando importância ao longo da história nas sociedades ocidentais e são, hoje, considerados elementos fundamentais da felicidade individual e coletiva: amor ao próximo; liberdade e bem comum (p. 26/7)”.
O pensador inglês Jeremy Bentham (1748-1832) enviou a seguinte mensagem para uma jovem na data de seu aniversário:

Crie toda a felicidade que possas; suprima toda a infelicidade que consigas. Cada dia te dará oportunidade de agregar algo ao bem-estar dos demais ou de mitigar um pouco suas dores. E cada grão de felicidade que semeies no peito alheio germinará em teu próprio peito, ao passo que cada dor que arranques dos pensamentos e sentimentos de teus semelhantes será substituída pela paz e alegria mais belas do santuário de tua alma.
(In; COTRIM, 2010, p. 30).

A pergunta feita no titulo deste texto é relevante visto que há uma busca incessante pela felicidade, sendo esta atrelada a vários aspectos do cotidiano de todos, do mais simples ao mais abastado.
Em 2007 uma campanha publicitária do grupo Pão de Açúcar (publicada em Veja/ março de 2007) e que trazia o título O que faz você feliz? Assim se compunha:

A lua, a praia, o mar
A rua, a saia, amar. . .
Um doce, uma dança, um beijo,
Ou é a goiabada com queijo?
Afinal, o que faz você feliz?
Chocolate, paixão, dormir cedo, acordar tarde,
Arroz com feijão, matar a saudade. . .
O aumento, a casa, o carro que você sempre quis
Ou são os sonhos que te fazem feliz?
Um filme, um dia, uma semana
Um bem, um biquíni, uma grama. . .
Dormir na rede, matar a sede, ler. . .
Ou viver um romance?
O que faz você feliz?
Um lápis, uma letra, uma conversa boa
Um cafuné, café com leite, rir à toa
Um pássaro, ser dono do seu nariz. . .
Ou será um choro que te faz feliz?
A causa, a pausa, o sorvete,
Sentir o vento, esquecer o tempo,
O sal, o sol, um som,
O ar, a pessoa, o lugar?
Agora me diz,
O que faz você feliz?

X=x=x=x=x=x=x=x 

Florbela Espanca é uma das grandes representantes do modernismo português, sendo seus poemas revestidos de grande intensidade quando falam de amor. Veja o exemplo a seguir:

Os meus versos

Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for.

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior! . . .

Tanto verso já disse o que sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo mundo as sente. . .

Rasga os meus versos. . . pobre endoidecida!
Como um grande amor cá nesta vida
Não fosse o amor de toda a gente! . . .

(ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas – antologia, 1997).

A REFORMA E AS SOLAS

Reforma Protestante – nome dado ao movimento reformista que surgiu no cristianismo em 1517 por meio do monge agostiniano Martinho Lutero. A ...