quarta-feira, 4 de maio de 2016

(Quase) nas mãos dos meganhas.




É possível que o gostar das coisas tenha motivações diversas e necessárias. Ou, quem sabe, circunstanciais. Sendo assim, estas – as motivações – seriam intangíveis e se manifestariam sorrateiras, sem dores nem cores. Não avisariam quando iriam acontecer.
Na área do conhecimento alguns temas me são mais cativantes que outros, embora todos façam parte das minhas necessidades enquanto operador de fatos históricos.
A Idade Média me fascina; bem como o Renascimento, a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, a Segunda Guerra Mundial, etc. Dos temas nacionais, dedico particular atenção ao período entre os anos de 1964 a 1985, ou seja, o Regime Militar vigorante entre esses anos. Os generais de Castelo a Figueiredo; a Operação Bandeirante; o caso do Riocentro, o Congresso da UNE em Ibiúna, o vale do Ribeira, a serra do Caparaó, a guerrilha do Bico do Papagaio. Tenho, sempre que posso, lido esses temas. E gosto de todos eles. O por quê, não sei. Ou, talvez saiba...
Quando começou o ano de 1979 eu trabalhava, há quase um ano, na Padaria do Supermercado Gigante, loja 9, situada à rua Cândido Portinari, 41, na então cidade de Embu, hoje Embu das Artes, SP. Foi meu primeiro trabalho na região que destilava promessas e recebia a todos que por ali chegavam.
Época boa para trabalhar e ganhar dinheiro. Principalmente àqueles que se profissionalizavam as oportunidades surgiam com mais facilidade e constância. Eu me iniciava em padaria e fui acolhido no município e num supermercado da rede Merimex. Eu gostava da minha rotina.


Essa rotina se materializava em uma jornada de trabalho que começava às 20:00h indo até às 6:00 da manhã, diariamente, com folga às terças-feiras. O percurso, algo em torno de 6,5 quilômetros era feito a pé, ida à noite e volta no dia seguinte. Normalmente, por volta de 6:30h, após passar o serviço para a turma do dia e tomar banho, eu saía do supermercado no sentido da esquerda, dobrava a primeira esquina também à esquerda, na seguinte, dobrava à direita e fazia um percurso de aproximadamente 1700 metros na av. Elias Yazbec até alcançar a margem direita da BR 116 – Régis Bittencourt, no sentido Paraná,  seguindo então para iniciar a subida do morro, um percurso de aproximadamente 4,5 km, para o jardim Santo Antônio, onde morava.
Na Elias Yazbec, na altura onde hoje se localiza a casa de shows Caipirão, à época apenas uma fábrica de blocos de cimento para construção, no dia 14 de março de 1979, viveria uma experiência que me marcou muito e aguçou a minha curiosidade pela Ditadura Militar: fui barrado por um grupo avançado do DOPS – Departamento de Ordem Pública e Social – objeto de escárnio social e de comentários diários em uma emissora paulista através de seu radialista mais famoso, Gil Gomes. O que mais ele apregoava é que evitássemos, o cidadão comum, cair nas “garras” do DOPS/ROTA e entrar em um dos seus camburões.
Eram quatro militares. Dois desceram da viatura que parara algo em torno de vinte metros a minha frente e o comandante do grupo apenas abriu a porta de uma Veraneio e descansou os pés na calçada. Os outros dois se postaram de maneira que eu haveria de passar entre eles e o sargento comandante. O outro se encontrou na traseira do veículo e se pôs a "ler" um jornal. Sem escolhas, segui para passar entre eles, como já destaquei; era o único meio. Ou me aventuraria pela pista de rolamento dos carros. Passei entre eles. Ou melhor, tentei.
Fui abordado pelo mais próximo de mim. Deu-me um “bom dia, senhor!”, e pediu que cumprimentasse o sargento. A partir de então iniciou-se uma série de perguntas que se repetia temporariamente: de onde o senhor vem; para onde vai; onde o senhor trabalha, com que trabalha, por que está na rua tão cedo....vez ou outra fazia uma pergunta fora desta ordem e, depois, retornavam: de onde o senhor vem; para onde vai, etc. (...) respondia às questões e pensava no Gil Gomes: “é perigoso ser pego pelo grupo do DOPS. Ou da ROTA - Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar. Evite!”
Foram educados. Porém, por trás dessa educação me humilharam e me diminuíram o máximo que puderam. Rasgaram o pacote de pão que levava para o café, jogaram os pães no chão e me pediram que os apanhassem; com um pacote de chocolate “Prestígio” que prometera para Soraia, uma sobrinha minha que naquele dia tinha 8 anos de idade, fizeram a mesma coisa. Com o meu rádio Motoradio que levava para o trabalho fizeram mais: Quebraram-no. Após esse “aperitivo” me pediram os documentos. No momento tinha quatro comigo, o necessário para a situação: Carteira Profissional, RG., Título de eleitor e Certificado de Alistamento Militar. Um a um o comandante recebia, olhava sem interesse e jogava no chão. Após o último, perguntou-me se podia juntá-los. Respondi que sim e o fiz. Aí começou o “baculejo”. Eram bons nisso: pernas abertas, braços levantados e os dois comandados se revezavam: mãos nas axilas, nas costelas, na bunda e no entre-pernas....
Não chorei e nem reclamei. Era o que eles queriam. Mas me senti um nada. Diminuído ao extremo. Me liberaram. Me disseram que “estava limpo e podia ir pra casa.” Me desejaram sorte para mim e para a família. Agradeci, disse bom dia e rumei para a margem da Régis que ficou muito, muito longe. Até atravessá-la, ouvia o barulho da viatura me seguindo, me deixando nervoso. Mas não olhei para trás. Era o que eles queriam.
Minha mente fervilhava. Ali, enquanto era agredido moralmente, decidi que voltaria para casa. Duas semanas e meia depois estava chegando em Floriano, Piauí. Terra querida.

É fascinante lembrar, hoje, que não entrei no camburão do DOPS. Graças a Deus!

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