O MENOR INFRATOR E O DE PROJETO
DE RESSOCIALIZAÇÃO: O ECA COMO
INSTRUMENTO DIRETIVO DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS.
Reneany
Michele Teles Costa
1. INTRODUÇÃO
A
quantidade de ações criminosas praticadas ou direcionadas a quem possa ser
qualificado como menor infrator, tem aumentado consideravelmente e em todos os
municípios brasileiros a cada dia. Basta que um aparelho de TV seja ligado em
um noticiário ou que se tenha acesso a noticiosos impressos – jornais e
revistas – ou, ainda, que se acompanhem redes sociais para que se perceba a
realidade da marginalidade envolvendo crianças e adolescentes nos mais variados
tipos de crimes.
Investigar
e apresentar soluções viáveis ao problema tem sido o tema da discussão de
vários setores da sociedade que pretendem que todo e qualquer indicador
referente a dados criminais que envolvam menores infratores seja mostrado em
linha descendente. O que se percebe, no entanto, ao efetuar um estudo tendo
como parâmetro o cotidiano de crianças e adolescentes que habitam tanto a
periferia quanto os grandes centros urbanos é que “a bola” tá sempre passando
de uma mão para outra quando se trata de apontar descasos e responsabilidades
com a vida destes pequenos.
Desse
modo, família, escola, meio social em que vive, o sistema de segurança – ou a
falta deste – seriam agentes contribuintes para o crescimento da marginalidade
infanto-juvenil. Correndo por fora, mas nem por isso menos preocupante aparece
o aproveitamento destes marginalizados/abandonados por setores organizados e
envolvidos com drogas e entorpecentes dos maia variados tipos que tem a criança
e o adolescente como alvo principal tanto para o consumo quanto para o comercio
de suas mercadorias.
Tratar
o problema, porém, envolve outros tantos agentes sociais. Instrumentos
punitivos e organizativos são criados e dinamizados constantemente. O Estatuto
da Criança e do Adolescente, os preceitos constitucionais contidos na Carta
Magna de 1988, o SINASE – Sistema nacional de atendimento socioeducativo, os
conselhos tutelares e uma gama de diretrizes todas voltadas à detecção, à
prevenção, ao combate e à recuperação de envolvidos interagem entre si intuindo
a recolocação do menor infrator no seio do seu ambiente social, tirando-o da
marginalidade e lhe devolvendo a cidadania perdida.
Essa
condição, a de menor infrator e, por conseguinte, sujeitos aos rigores da lei é
o cerne deste trabalho que se apoia no ema O
menor infrator e o projeto de ressocialização: o ECA como instrumento diretivo
de aplicação de medidas socioeducativas. O que se pretende a partir do
esmiuçamento da temática em pauta é buscar no ECA, principalmente mas
também nos demais códigos preceituais de
conduta e medidas punitivas e de ressocialização a melhor maneira de recolocar
esses jovens aqui qualificados de menores infratores no seio social que lhes
possa reoferecer oportunidades que hão de devolver-lhes a dignidade e a
condição de indivíduos socialmente aceitos.
Desse
modo, para que o tema proposto desencadeie possibilidades reflexivas aceitáveis
ele, o tema, apoia-se no seguinte questionamento: É possível um projeto de ressocialização que seja, ao mesmo tempo,
punitivo, corretivo e instrumento de inserção social visando o bem estar do
menor infrator? Espera- se,
portanto, que ao final desse trabalho tal questionamento se encontre elucidado
de maneira que sua compreensão seja possível. Convém ressaltar que seu objetivo
é o de enfatizar a legitimidade dos preceitos contidos no Eca (enquanto
instrumento legal que preceitua não só os direitos mas também os deveres do menor)
para a efetivação de medidas socioeducativas.
Assim,
cabe ressaltar que o ECA, contrariando alguns pensamentos, não se trata de um
instrumento novo ou uma “nova lei. Sua existência já quase completa três
décadas:
A Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e
do Adolescente) é um modelo jurídico inovador do direito e do resgate da
cidadania. (...) Faz um chamado à sociedade para o reconhecimento da criança e
do adolescente como seres humanos, em peculiar desenvolvimento,
consequentemente, respeitando os princípios universais dos direitos humanos
(ECA, 2009, p. 9).
O
ECA, portanto na condição de instrumento de preceitos mais usado no decorrer
desta pesquisa tem credibilidade e se sustenta. Por resgatar a cidadania; por
fazer chamamento à sociedade no envolvimento com seus preceitos; por reconhecer
a condição de humanos à criança e ao adolescente e por fomentar o
desenvolvimento destes por isso a sua instrumentalidade ser um dos pilares
deste trabalho.
Mas
o referido trabalho obedece também às normas metodológicas exigidas na
construção de uma pesquisa acadêmica. A sua metodologia será, quanto ao seu
procedimento de coleta de dados, bibliográfica e se sustentará apoiado em vasta
bibliografia especializada extraída em livros que discorrem sobre o tema que
aqui se explora. Também se usará informações de artigos científicos e de sites
especializados. A característica de cunho bibliográfico será verificada ainda
no que se refere à fonte de informação; segundo a natureza dos dados coletados,
será uma pesquisa qualitativa.
Por
fim, com essa base jurídica destacada – o ECA -
pretende-se que os elementos envolvidos, quais sejam, o menor infrator,
os agentes sociais, o processo e o fim – a mudança no modo de encarar as novas
perspectivas que lhes serão oferecidas – sirvam tanto para a análise ,
conceitual ou prática, quanto para a observação em situações futuras que
envolvam à criança e o adolescente e em que haja a necessidade de base
teórica//conceitual e que seja concernente ao sujeito aqui estudado. Não pretende
este trabalho, de modo algum, a alcunha de manual pronto e absoluto sobre o
tema. Espera, porém, ser útil em pesquisas futuras.
2.
O
MENOR PERTENCENTE AO AMBIENTE SOCIAL EM QUE VIVE: INFLUENCIA DO MEIO NO QUAL
HABITA.
2.1
Reflexão
sobre a criminalidade
Ao iniciar o resumo do seu
estudo intitulado “Menores infratores:
uma reflexão sobre o contexto social e infracional” a professora Maria
Aparecida Batista de Lima e Silva afirma ser “notável o crescimento do índice
de delitos praticados por menores, diariamente reportados pela mídia local e
nacional”.
Este estudo da professora
Lima e Silva (cida.limasilva@bol.com.br,
2017), se baseia em pesquisa realizada no município de Barra do Garça, MT mas reflete
a realidade, senão de todos os municípios brasileiros, certamente o será de sua
maioria. A questão da marginalidade infanto-juvenil há muito deixou de ser
novidade, algo pra ser visto na TV ou ouvido no rádio. Não é mais notícia
interessante.
O “notável crescimento” se
desperta algo na sociedade é medo. Na medida em que cresce o índice de delitos
praticados, na maioria por sujeitos sociais menores que 18 anos, a sensação de
insegurança cresce proporcionalmente. O cidadão de bem, que trabalha, que zela
pela família, que procura um lazer nos finais de semana ou feriados não se
sente seguro também na sua própria casa. Diz-se “também em sua própria casa”
por se reconhecer que na rua essa insegurança prolifera e domina desde há muito
tempo. Essa insegurança em casa ou na rua se verifica, de modo geral, em
qualquer ambiente social nos dias atuais.
Igrejas mudam seus horários
e rotinas tencionando que seus fiéis voltem mais cedo para casa; casas noturnas
sistematizam sua funcionalidade e medidas de prevenção instituindo seguranças e
outros meios de proteção à clientela; casas comerciais de pequeno e médio porte
com suas entradas e acessos gradeados – as grandes lojas contam com um aparato
de segurança sofisticado que incluem guardas preventivos e câmeras de circuito
interno.
Em suma, o comportamento do
homem social mudou em função da criminalidade no seu entorno, no seu dia a dia.
Em pleno século XXI, no auge das grandes descobertas e dos incríveis avanços
tecnológicos o homem resedentariza-se, agora por medo dos seus semelhantes e,
pasmem, na maioria dos casos esse semelhante é menor de idade; uma criança, um
adolescente. Sedentariza-se dentro da sua própria casa e por medo de sair à
rua. Sua casa é gradeada, com cercas elétricas em muros altos; câmeras instaladas
e cães bravos completam o aparato de proteção. Tudo para se proteger de quem
tenta “pular seu muro” e lhe assaltar.
Os bandidos estão armados.
Armas originais; armas de brinquedos; armas de papelão. Não importa! No momento
da abordagem elas assustam e esse é o objetivo: assustar e cegar a vítima para
que não percebam que, além de assaltados estão sendo ludibriados. Não há como
saber, no momento, se a arma funciona ou não; se é real ou engodo.
Roubam celulares, roubam a
bolsa da moça que anda sozinha e também da que anda acompanhada, roubam a moto
do rapaz. Roubam até a dignidade de quem é roubado. E essa dignidade é
irrecuperável, não retorna, pois a linguagem dirigida à vítima tem a finalidade
de diminuí-lo; de fazê-lo sentir-se ninguém. Lixo. Essa é a sensação, a de ser
lixo.
O que fazer diante de um quadro
tão assustador e deprimente? Desarmamento, combate às drogas e aos traficantes,
instrumentalização de códigos de leis e de medidas punitivas ocorrem a todo
instante. O que fazer? Constituição Federal, Estatuto da Criança e do
Adolescente, SINASE, Conselhos Tutelares, de classe, de escola são instrumentos
ativos e que interagem entre si na busca de combater esses índices afrontosos à
toda a sociedade.
Algo precisa ser feito. A
interação entre o poder público e a sociedade, a revisão dos sistemas de
segurança e as medidas preventivas para evitar ocorrências e de ressocialização
para aqueles que já, por circunstâncias pessoais, se tornaram infratores são
formas que, se agilizadas, nos permitem pensar que haveremos todos, de desfrutar
de dias melhores.
2.2 Os
instrumentos reguladores e a criança e o adolescente no contexto do crescimento
da criminalidade nos ambientes sociais.
2.2.1
os instrumentos reguladores das ações
punitivas e socioeducativas de menores infratores.
O que
se tem percebido em trabalhos anteriores, de natureza jurídica ou não, é que o
uso de documentos e instrumentos usados no decorrer de sua execução é feito de
forma aleatória, sem nenhuma descrição de forma e finalidade do referido
documento.
No
intuito de corrigir essa falha e de evitar imbróglio em relação ao conteúdo ou
função faremos uma rápida descrição do ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente, maior fonte de informação para a formação do corpo bibliográfico
deste trabalho, bem como da Constituição Federativa do Brasil e do SINASE.
O
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente completou 27 anos de sua promulgação
e ao ser apresentado à Sociedade a presidente do CMDCA/SP, Elaine Aparecida
Macena Batista Ramos dele disse que
A Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e
do Adolescente) é um modelo jurídico inovador do direito e do resgate da
cidadania. Faz um chamado a sociedade para o reconhecimento da criança e do
adolescente como seres humanos, em peculiar desenvolvimento, consequentemente,
respeitando os princípios universais dos Direitos Humanos (ECA, 2009, p. 9).
E
ao fazer referencia à Constituição Federal e à Declaração Universal dos
Direitos Humanos, acrescentou
O reconhecimento e o
respeito que a sociedade brasileira tem por essas Leis são passos importantes
para superar um passado de violação dos direitos humanos no Brasil. (. . .)
Sabemos que esta não é uma batalha fácil, pois muda códigos, valores e
significações o que faz com que todos sejam responsáveis pela criança e pelo
adolescente (IBID).
Como
documento voltado para a sistematização do comportamento e do tratamento a ser
dispensado ao menor, este, tanto na condição de ser social comum ou como menor
infrator, o Estatuto da Criança e do Adolescente detém toda a credibilidade
necessária para a sua aceitação e para o uso dos seus preceitos. A sua base – a
Constituição do do Brasil, de 1988 – e os Princípios Universais dos Direitos
Humanos representam aval suficiente para
a sua aceitação.
Além
do ECA, a Carta Magna brasileira também emprestará os preceitos básicos para a
compreensão da condição e, principalmente, o cuidado a ser dispensado à criança
e ao adolescente, cuidado este que, segundo o Art. 227, envolverá três
instituições básicas em torno destes sujeitos sociais: a família, a sociedade e
o Estado.
Por ultimo, mais nem por
isso menos importante, o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo que, segundo ele mesmo, “é o conjunto ordenado de princípios,
regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas...” (DOU,
2012, p.1), será o documento base para a interpretação dos melhores caminhos a
serem seguidos na execução de projetos socioeducativos voltados para a
ressocialização do menor infrator.
Portanto, para discorrer
sobre o ECA enquanto instrumento jurídico faz-se necessário que conheçamos a
sua intenção, além dos seus preceitos, estes – os preceitos – baseados na
Constituição Federal, aqui também usada
como objeto fornecedor de regras de conduta que organizam a vida do
homem em sociedade.
Além disso, para que o
entendimento dos princípios e medidas socioeducativas em todo e qualquer
projeto de ressocialização, o SINASE é o órgão que melhor fornece princípios e
regras para o desenvolvimento de medidas socioeducativas, conforme a descrição
do anexo II.
2.2.2 A criança e o
adolescente frente à realidade cotidiana da violência
Uma
proposta de estudo em que o menor – tanto a criança quanto o adolescente- seja
o requer consciência e conhecimento. Consciência de que o tem a escolhido é, ao
mesmo tempo, rico e delicado; perigoso e conhecimento pela variedade de
situações em que o menor se encontra inserido e, por isso, injustiça, ao
descrê-los, omitir dessas situações.
Entender
a criança e o adolescente, portanto, no mundo em que ele se depara com a
variedade de recursos disponíveis para o seu desenvolvimento e que, em um passado não muito distante, seus de nada
dispunham traz a tona a conscientização da velocidade em que tempo e tecnologia
tem se em transformações significativas que muitas vezes, ao em que
facilita a dinamiza a intervenção humana, confunde pela certeza de que ali, há
apenas vinte ou trinta anos o mundo era
diferente e, do mesmo modo, a ação da criança/homem.
A
criança não vive mais o mundo inocente do jogo de bola-de-gude; pipa; do
carrinho de rolimã ou das tardes em frente a TV vendo ,perdido no espaço ou
zorro; o cavalo de pau improvisado de um cabo de vassoura ou de uma palha devidamente
trabalhada para tal fim. A inocência revelada muitas vezes nas perguntas que,
ainda assim, embaraçavam seus pais.
Esse
mundo há muito (tão pouco tempo) passou. X–Box, DVDs, diversos aparelhos de plasma, celulares cada
vez mais sofisticado; instagran, face, blogs, luzes, cores e sons diversos o
cotidiano das crianças no século XXI e que fazem com que a se sobreponha a realidade;
com que as ausências e os afetos sejam submetidos pela encontrada na prateleira
da loja da esquina, qualquer peça com preço e condições facilitadas, fácil de
ser adquirido. Esse admirável mundo novo esta presente, hoje, na vida de
qualquer criança e adolescente.
Desse
modo, pesquisar e tematizar a criança e o adolescente requer o da consciência:
o mundo mudou, logo, a criança, seus costumes, seus espaços, seus anseios,
relações pessoais, sua formas de brincar, interagir, se definir enquanto ser
social também mudaram e este criança requer ser entendido nesse contexto.
O
pequeno príncipe certamente figura em qualquer relação dos livros mais lidos em
todos os tempos e deve se extrai a que segue:
As
pessoas grandes aconselham-me a deixar de lado aos desenhos de abertas ou
fechadas e me interessar de preferência pela geografia, pela história, pelo cálculo e pela
gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma magnífica carreira de
pintor. Eu que pelo insucesso do meu desenho numero 1 e do meu número 2. As
pessoas grandes não compreendem nada sozinhos, e é cansativo, para as crianças,
sempre e sempre estar explicando (EXUPERY, 2015, P.8).
A questão a ser considerada
então, a partir das elucubrações de Exupery (2015) é o desencorajamento; não de
dois desenhos representados, mas de uma vida. A desvalorização da produção de
uma criança acarreta a quebra da confiança em si mesmo. Os questionamentos
agora passarão a sr outros; as suas perspectivas serão modificadas por
“porquês”: porque não geografia ou história; porque não cálculos ou
gramática...
A via contrária seria,
portanto, instruir a criança nos seus caminhos. Segundo Salomão (2013),este,
sábio rei da antiguidade, instruir a criança durante a sua fase de desenvolvimento
em caminhos certos “até quando crescer não se desviará dele”(p.880). Em
substituição ao desencorajamento, instrução.
A pretensão aqui não é
afirmar, porem, que todo desvio ou fracasso de crianças ou adolescentes se
efetive por falta de instrução. De modo algum! No entanto, muitas vezes, ainda
que não se desencoraje diretamente, as ações e atitude em relação ao menor
farão com que seus rumos tomem “outros rumos”.
Instruir a criança,
portanto, requer compreensão de todos os movimentos iniciados seja no âmbito
escolar, esportivo, social, criativo e ou religioso. Está criança estará
ansiosa por uma palavra que signifique que “ele vai bem”; que está nos caminhos
certos. Que ele fez algo bom. Dá esse apoio não se torna tarefa difícil e, em
contrapartida, pode mudar uma vida.
Para Magdalena (2007) o
rádio e a mídia impressa se encarregaram da propagação do que seria a vida de
Tatinha, esta, menina de periferia que tentava apenas dá rumo certo à sua vida.
Diz Tatinha que
Na
época dos fatos eu tinha meus 14 para 15 anos. Na escola, antes dos incidentes,
me conheciam por Tatinha. Depois, quando as coisas começaram a acontecer e os
programas das rádios e os jornais cuidaram de exagerar na dose, criaram para
mim vários cognomes: bandoleira! Fera do
subúrbio! Feiticeira! (MAGDALENA, 2007,p.10).
Segundo o autor (MAGDALENA,
2007) Tatinha é uma personagem real, é gente; gente que anos depois das narrativas em torno de si, teria
juntado o que conseguiu reunir como sua família, mudando-se para o Mato Grosso.
Bem antes, durante o seu período de escola pública em Araraquara, interior de
São Paulo, ela viveria os conflitos comuns à toda criança de sua idade mas,
apesar de tudo, como também toda criança de faixa etária semelhante, tinha seus
sonhos. “Sonhava em transpor obstáculos que estavam em meu caminho para me
tornar uma escritora (IBID)”. Quais obstáculos? – Não sabemos. O que é sabido é
que todos os seus sonhos, todos os seus anseios, todas as suas construções
desapareceram quando ela se tornou a bandoleira, a feiticeira.
Depreende-se dessa exposição
que instruir não se vincula ao rótulo, ao estigma direcionado ao circunstante,
neste caso, uma criança. Bem antes dessa rotulação, deve-se considerar a
necessidade de afirmação do sujeito – criança ou adolescente -. Tatinha
gostaria, entre tantas outras possibilidades em sua vida cheia de sonhos e
expectativas “(...) representar bem minha classe (...). Eu tinha boas ideias
(MAGDALENA, 2007, p.11)”. Boas ideias desencorajadas a ambos os personagens das
narrativas apresentadas até este instante; não houve possibilidade alternativa
para eles. Essa possibilidade alternativa pode – não é imperativo – ser
entendida como socialização, esta tendo de ser construída na relação
criança/adulto.
Licciard; Ramos (2012) citam
Piaget para aclarar que tal socialização se efetiva de duas formas:
Em síntese, Piaget
explica que há duas formas de socialização dos homens: a primeira exercida
pelos adultos em relação à criança, pelo respeito unilateral. (...) a criança
vê como correto tudo que vem do adulto. (...) A segunda é pelo respeito mutuo,
na qual a cooperação é possível e, consequentemente, há o favorecimento da
autonomia moral e intelectual (LICCIARD; RAMOS, 2012, p. 25).
Os relacionamentos
criança/adulto ou vice-versa há muito é debatido em várias instâncias e
relacionados a diversos objetivos, na maioria, distintos uns dos outros. Nas
escolas esse mote reaparece, agora trabalhado na relação professor/aluno. Para
o mestre Piaget (LICCIARD; RAMOS, 2012) estes relacionamentos sempre hão de se
apresentar de duas formas, qual sejam, unilateral e de respeito mutuo.
Na primeira situação o
pequeno sempre verá na figura do adulto um ponto no qual poderá fixar sua
referência. O adulto, portanto, representa segurança e ponto de partida para as
suas construções a serem efetivadas.
Já no segundo caso a interação, a vivência
pactuada, a troca de informação e experiências partilhadas os tornará a ambos –
adulto e criança – autônomos tanto moral quanto intelectualmente.
Ao continuarmos a leitura da
primeira narrativa perceberemos que o mundo da criança continuará fechado em
relação às expectativas criadas no que se referir à relacionar-se com o adulto.
A sua vivência e modo de perceber a realidade e as atitudes ao seu derredor
irão, gradativamente, operar negativamente no sentido de criar afinidades.
Caberá ao adulto, portanto, organizar o contato e a maneira de agir em relação
à criança, criando vínculos e inspirando confiança.
2.3
Dos desencorajamentos ao experimento do mundo real: quando os contatos com a
delinquência mudam a vida da criança e do adolescente.
Uma pergunta
instigadora: o que é mais fácil para a criança/adolescente, o contato com a
instrução ou com a delinquência?
A
pergunta é procedente e pretende-se, com ela, despertar uma reflexão. Convém
que se perceba que se pergunta o que é mais fácil; não qual o primeiro contato.
Considerando-se que o assédio às crianças enquanto possibilidade de usuário e
atravessador se verifica, em grande parte em frente à escola ou quando os
jovens se dirigem a esta, dir-se-á que há uma igualdade no percentual. Mas, no
geral, o contato tem grande possibilidade de ser, primeiramente, com a
instrução, haja vista que essa pode – e deve – iniciar-se no seio familiar.
Volta-se, então, ao “instrui a criança no caminho em que deve andar (SALOMÃO, 2012, p. 880)”. No meio social, no
lar, na escola, a criança se cerca de instrução. Repete-se, pois a pergunta: o
que é mais fácil?
Para
Tatinha, segundo Magdalena (2007) tal e qual se apresentaram quase que
simultaneamente. Vejamos:
Para Tatinha, segundo
Magdalena (2007) ambas as possibilidades se apresentam quase que simultaneamente.
Vejamos:
Foi de repente,
peguei o gosto pela leitura. (...) o primeiro livro que li num fôlego só, em
dois dias e duas noites foi “Cidade de
Deus”. Cara, mó barato! Aí me liguei! (...) pouco antes, num embalo cego,
em experimentei a maconha. Caí prostrada. Achei uma merda! Se quiser saber, a
leitura me deu e me dá um barato muito mais que esse troço da maconha
(MAGDALENA, 2007, p. 11/2).
Percepção! A personagem central do
autor em epigrafe (MAGDALENA, 2007) teve a percepção do que lhe seria melhor
escolha. Biblioteca, os livros, a
internet lhe davam “um barato muito maior”. Em dois dias e duas noites ela já
poderia propagar qual o caminho havia escolhido para seguir. Entende-se que não
foi uma escolha fácil, decidi em um tic-tac. Nesse momento de escolha amigos,
meio, vontade de identificar-se tendem a influenciar o que devamos decidir.
Para ela, Tatinha, a avidez pela leitura sobrepuja a droga que a fez “cair
prostrada”. Não se tem, no entanto, base empiria ou cientifica que afirmem que
toda criança e/ou adolescente vivendo as mesmas situações decidam
semelhantemente. Daí a necessidade da orientação, do amparo experiente.
Dois posicionamentos da
personagem merecem comentários. Primeiramente vem o gosto pela leitura. Chegou
de repente! Não há menção de como se deu esse primeiro contato com a leitura,
mas Tatinha achou “mó barato!”. É possível que tenha sido na biblioteca, da
escola ou itinerante; mas é possível também que alguém lhe tenha dado ou
indicado o livro. Especulação que novamente nos remeteria ao “instrui a
criança”. O importante é que a experiência, até onde se percebe, foi
gratificante para ela. Sobre o que pensa a maioria de seus colegas, diz que “o
lance é que a maioria da galera não se liga nesses lances de leitura nem
internet. A maioria está afim de curtir
balada funk, o hip hop, o rapp, o escambau! ( Ibid, p.12)”.
Em segundo lugar, sobre a
maconha irá afirmar que foi “num embalo cego!”. Aqui convém que uma pergunta
seja lançada: como aconteceu esse embalo cego? Por acaso? Premeditado? Através
de um desconhecido que lhe ofereceu ou seria alguém de sua confiança que
deveria ajudar-lhe na instrução? Para
ela, Tatinha, o contato com a droga foi ruim mas no turbilhão do seu mundo
quantos pensarão da mesma maneira e entenderão o contato com as mazelas
oferecidas algo que não seja “mó barato”?
2.3.1 o contato com a
delinquência mudando a vida de jovens no interior do Piauí.
A
percepção da personagem de Magdalena (2007) nos leva a refletir sobre o
comportamento da maioria das crianças e adolescentes que se encontram na
marginalidade, independentemente de análise da natureza do seu crime. É comum
quando se acompanha os noticiosos sobre crimes cometidos por estes, ouvirmos
falas da inconsciência do ato praticado o que na maioria das vezes é reiterada
a fala por profissionais encarregados de agirem em suas defesas e
encaminhamento para locais de suas recuperações.
Segundo
Mirabete; Fabrini (2008) essa faixa etária já permite que os jovens tenham
conhecimento e discernimento sobre possíveis atos criminosos que venham praticar,
no que afirmam:
Ninguém pode negar
que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje pleno
conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus
atos. Entretanto, a redução do limite de idade no Direito Penal comum
representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e
criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O Estatuto da
Criança e do Adolescente prevê , aliás, instrumento eficazes para impedir a
pratica de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os
inconvenientes mencionados (MIRABETE; FABRINI, 2008, p. 215).
Para
os autores acima (MIRABETE; FABRINI, 2008) na idade entre 16 e 17 anos o jovem
já tem discernimento para entender a gravidade de atos praticados e, por isso,
tem condições de arcar com as consequências dos mesmos. Discernimento e
condição, portanto, além da idade, são descritores da situação desses jovens.
Os autores ciados destacam ainda que, independentemente do meio social o jovem
dos dias atuais, todos, tem conhecimento de mundo suficiente para entender das
questões de atos ilícitos e inconvenientes à sua conduta. Tais condutas estão
previstas, segundo os mesmos autores, no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com
base nessa percepção dos referidos autores pode-se inferir que os adolescentes
que serão citados a seguir se enquadram dentro dessa afirmativa das condições e
discernimento dos ato praticados.
Em
um texto assinado por Frazão; Coura e Barros (VEJA, 2015) que defende o título
de Justiça só pra maiores, quatro
menores são apontados como autores de um crime de estupro coletivo na cidade de
Castelo do Piauí que, como agravante, culmina com o óbito de uma das garotas violentadas. Estes quatro
jovem estariam acompanhando o sr. Adão José da Silva, 39 anos.
Segundo o texto, Adão
abordou as garotas com uma arma e forçou as mesmas a ter relação sexual com
ele. As garotas que teriam subido o morro para tirar umas fotos com celulares
após serem estupradas teriam sido jogadas por Adão morro abaixo. A verdade que
se percebe é que ainda que tenham sido abordadas apenas pelo maior de idade,
sabe-se pelo depoimento de um dos menores apreendidos que todos mantiveram
relação sexual com as garotas. Assim, J.S.R (16 anos) ainda “tentou terminar o
serviço” – o de matar as garotas – o que conseguiu apenas em parte uma vez que
Danielly Rodrigues Feitosa, 17 anos, viria a óbito alguns instantes depois.
Apontado como crime de
natureza bárbara, que na ocasião chocou a todos que dele tiveram conhecimento,
nos induz a uma reflexão em relação a todos os envolvidos e que se torna mote
interessante no momento em que se estuda a viabilidade de um projeto de
ressocialização que tenha como sujeitos o menor infrator. Não há como se manter
alheio quando algo semelhante a este acontecimento se produz tão perto da
sociedade que vivemos. Normalmente as noticias vem de longe, causando impactos
menores o que se caracteriza como alheamento da realidade social que nos
acerca.
“Todos os envolvidos”, fragmento
do subtítulo acima, incluem também as e continua internada em estado grave(p.
42)”. Com base nessa informação, e à guisa de reflexão, faz-se destaque para o
fato que oito adolescentes estiveram envolvidos neste ato criminoso, quatro
como vitimas.
Os estupradores menores,
I.V.I (15 anos); J.S.R (16 anos); B.F.O (15 anos) e G.V.S (17 anos), de acordo
com a reportagem da revista Veja (2015) “ficarão, no máximo, três anos
internados (p. 41)”, e continua em relação aos menores infratores declarando que
serão encaminhados a
centros de correção, onde ficarão internados por um prazo máximo de três anos e
de onde sairão como réus primários. É o que determina no Brasil o Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA (FRAZÃO; COURA; BARROS, 2015, p. 42).
Essa ponderação dos autores
citados (FRAZÃO; COURA; BARROS, 20115) encontra-se baseada no artigo 121 do ECA
que em seu caput diz que “a
internação constitui medida privativa da liberdade (...)” e que no parágrafo 3º
encerra afirmando que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação
excederá a três anos (ECA, p. 42)”.
Desse modo entendido, a
expectativa que se alimenta a partir de agora é como estarão esses jovens ao
deixarem suas internações, findados o prazo máximo determinado por lei para as
suas penas. A questão é observar se o projeto estabelecido para eles reflete as
necessidades de ressocialização de cada um. Saber quais recursos estarão sendo
disponibilizados; quais profissionais os estarão acompanhando, atentos no dia a
dia desses jovens; que tipo de formação educacional e profissional lhes serão
oferecidas uma vez que, pretende-se, serão ressocializados.
O “serão encaminhados a
centros de correção (...)” demanda um projeto que restabeleça os seus respeitos
por si mesmos e pela sociedade a qual tenham vinculo de pertencimento. Demanda
ainda o reconhecimento de que precisam serem instruídos em novos caminhos; em
rumos que se adequem à perspectivas diferentes para os seus futuros.
2.4
Ressocialização no contexto dos preceitos jurídicos do ECA, SINASE e
Constituição Federal de 1988.
A suma de todos os preceitos
jurídicos contidos nos documentos citados acima é estabelecer regras de conduta
através do reconhecimento de direitos e de deveres de indivíduos enquanto
cidadãos, o que remete á necessidade de esclarecer, conceituando, o que seja
cidadão e/ou a sua extensão, cidadania. Entendendo cidadão como alguém que
pertença, faça parte da cidade, do meio comum a todos, podemos afirmar acerca
de cidadania que esta seja uma “identidade social politizada” que
Envolve modos de
identificação intersubjetiva entre pessoas e sentimentos de pertencimento
cridos coletivamente em inúmeras mobilizações, confrontos e negociações
cotidianas práticas e simbólicas (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p.11).
A questão da identidade
social e todo o seu envolvimento com o individuo abrange, ainda que
regularmente, o menor, aqui designado menor infrator, a partir do momento em
que venha a cometer ato infracional previsto na lei. Segundo Botelho; Schwarcz
(2012) cidadania cria – ou gera – uma identificação entre pessoas e seus
sentimentos, estes o de pertencer a criações coletivas que se manifestam em
situações diversas.
2.4.1 Crianças, adolescentes
e o ato infracional.
Segundo o ECA , no seu Art.
2º “considera-se criança, para efeito desta lei, a pessoa com até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (p.
45)”.
Antecedendo a este
esclarecimento, o art. 1º do referido código (ECA, 2009) informa que a lei
contida no documento versa sobre a proteção dos sujeitos referidos no Art. 2º,
qual seja, a criança e o adolescente, sendo essa proteção efetuada de modo
integral, o que nos remete à busca de entendimento de como essa proteção se
efetivará, de fato. Ocorre que a lei escrita costuma ser rebuscada, complexa,
dificultando o entendimento, a que nos leva a recorrer a esclarecimentos
minuciosos. O Artigo 3º do ECA versa, justamente nesse sentido, intuindo
facilitar o entendimento e agilizar o atendimento àqueles que porventura se
encontrem em situação de carecimento da lei:
A criança e o
adolescente gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata essa lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as oportunidades ou facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e dignidade (ECA, 2009, p. 45).
Não é muito fácil entender a
intenção desse artigo a partir do momento em que diz que ambos os sujeitos
descritos gozam “de todos os direitos fundamentais da pessoa humana (...)”, o
que poderia desumanizar à criança e ao adolescente. Entendemos, porém não ser
essa a finalidade.
No que se refere à proteção
integral, novamente abre-se um leque de dúvidas quanto a essa integralidade, o
que, na execução de um projeto de ressocialização confundiria os responsáveis
pela execução do projeto ou, em via contrária, distribuiria responsabilidades
de difícil execução, prejudicando a execução de qualquer projeto voltado para a
ressocialização de menores infratores.
Ressocializar entendido como
“facultar o desenvolvimento” seja ele físico, mental, moral, espiritual e ou
social requer e acarreta responsabilidades, daí alguns projetos não serem
executados a contento. Essa afirmativa ainda que ressoe como juízo de valor é
verdade não dita.
O que pode ser refletido
dessa colocação seria o fato de ser impensado um projeto de ressocialização sem
a preocupação com os aspectos inerentes ao sujeito a ser socializado, descrito
no artigo no Art. 3º do estatuto da criança e do adolescente. O “Facultar o
desenvolvimento”, neste caso, teria que ser observado e analisado desde a sua
projeção, execução e finalização, avaliando o estado e o bem estar do sujeito
(re) socializado.
Mas além destes aspectos
destacados no Artigo 3º do ECA, a Constituição Federal de 1988 ratifica – e
acrescenta – outras situações a serem observadas quando o sujeito for a criança
e o adolescente. Veja-se o Art. 227 da Carta Magna brasileira
É dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e
comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (C.F., 2001, p. 132/3).
Segundo o Artigo
constitucional a tríade família, sociedade e Estado é detentora da responsabilidade de
“assegurar” à criança e ao adolescente as condições para que exerçam a sua
cidadania – um direito – com dignidade, uma condição. Para isso diversos
aspectos são apontados como itens obrigatórios desse cuidado a ser dispensados
através das instituições citadas.
Para a Constituição Federal
(2001) os direitos assegurados ao menor e que representam objeto de
gerenciamento dessas instituições que deveram interagir entre si no zelo e
observância da condição do menor não podem – e não devem – ser tratados com
“negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
(p.132/3)”. É imperativo afirmar que o exercício desses direitos hão que contribuir
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes no aspectos já mencionados e
destacados no Art. 3º do ECA , sendo estes
físico, mental, moral, espiritual e social.
Convém que seja destacado
que este zelo com a pessoa de menores se verificará conquanto esteja, também,
em regime de internação. Nesse sentido o Art. 124 do ECA (p. 79), em seu caput e em todo o seu corpo de incisos –
no total de 16 – e em dois parágrafos especifica a condição de menor que esteja
recolhido ao regime de interno (cf. Anexo I). O fato de cumprir internação por
possível ato criminoso não o deve privar dos direitos adquiridos enquanto
pessoa humana, ainda e, principalmente, que seja menor de idade.
Cabe, em ínterim textual,
esclarecer sentido de prioridade a que se refere o Art. 227 da Constituição
Federal em relação aos direitos dos sujeitos referidos nesse estudo, qual
sejam, a criança e o adolescente, que
nos remete em primeiro momento, ao senso comum.
Para Bechara (2011) prioridade é “precedência dada a alguém,
ou a algo, por necessidade, importância, etc.; primazia (p. 954)”, o que, de
antemão, nos remete ao entendimento que em toda e qualquer situação em que se
envolvam os sujeitos aqui estudados eles terão atenção primaz, ou seja, em
primeiro lugar.
Nesse sentido e intuindo
dirimir quaisquer dúvidas o Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece
prioridade, no contexto do cotidiano de crianças e adolescentes no parágrafo
único do Art. 4 onde se lê:
Parágrafo Único – a garantia de prioridade
compreende:
a)
A primazia de receber proteção e socorro em
quaisquer circunstancias;
b)
Precedência do atendimento nos serviços
públicos ou de relevância pública;
c)
Preferência na formulação e na execução das
políticas sociais e públicas;
d)
Destinação privilegiada de recursos públicos
nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA, 2009, p.
46).
Além da precedência e
primazia destacada por Bechara (2011) preferência e privilegio são condições a
serem dispensadas tanto à criança quanto ao adolescente nos “serviços públicos
ou de relevância pública”.
Uma observação do conteúdo
deste parágrafo remete à percepção que todos os itens se mostram interessantes
no que se refere a medidas de atenção ao menor ante o serviço e políticas
públicos. Porém merece atenção particular os itens “c” e “d” que tratam,
respectivamente, de execução de políticas sociais e públicas e da destinação
(...) de recursos públicos com fins específicos que respeitem à infância e à
juventude.
O que se percebe, segundo o
Art. º e seu Parágrafo Único é que, teoricamente, cuidar dos sujeitos a que se
referem ambos os textos – Constituição Federal e ECA – não há nenhum problema
de impedimento, o que nos levaria ao entendimento de confiabilidade que os
serviços e as intenções epigrafados são bons para os fins a que se destinam o
que, por si somente, ratifica a finalidade do objeto deste estudo, ou seja, o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
2.4.2 Os preceitos do Sinase na execução de
processos socioeducativos.
De acordo como Sinase, na
execução das medidas socioeducativas alguns princípios terão que serem
observados, estes intuindo o zelo integral da pessoa do menor infrator. Neste
sentido o inciso I do art. 35 deixa clarificado que o menor (adolescente) não
poderá “receber tratamento mais grvoso que o conferido ao adulto (SINASE, art.
35, caput, 2012)”.
Além disso, a
excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, a
prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas, a proporcionalidade
em relação à ofensa cometida,, a brevidade da medida em resposta ao ato
cometido, a observação das circunstancias pessoais do adolescente, mínima
intervenção dos órgãos nos objetivos da medida, o cuidado para que não haja
manifestação discriminatória sob qualquer aspecto e o fortalecimento dos laços
familiares e comunitários no processo educativo são passos a serem observados na
execução desse processo.
Todos estes princípios estão
explicitados com exatidão no anexo III.
Observados estes princípios
e para que as medidas socioeducativas se apresentem dentro do perfil
estabelecido e condizente com a realidade expressa do Sinase, convém que se
observe, ainda, a composição dos direitos individuais do adolescente no
cumprimento de medidas socioeducativas, conforme o exposto no art. 49, incisos
e parágrafos (vide anexo IV).
3.
CONSIDERAÇÕES
O objetivo ao ser alcançado
quando da idealização desta pesquisa foi “enfatizar a legitimidade dos
preceitos contidos no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, para a
efetivação de medidas socioeducativas”.
No decorrer da pesquisa, no
entanto, percebeu-se haver uma lacuna a ser preenchida no tocante à
regulamentação ou, em outro viés, que estabelecesse normas gerais e específicas
direcionadas ao cuidado com a pessoa integral do adolescente que se encontra na
condição de menor infrator. Foi assim que chegou-se ao Sinase – Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo, sistema este que prescreve, conforme os
anexos padrão ou, se assim for preferido, sistematização dos processos
socioeducativos.
Feito isto e amparado pelo
Art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil que designa a tríade
família, sociedade e Estado na condução e zelo de aspectos cuidativos da
criança e do adolescente, tornando possível responder se é viável um projeto de ressocialização que seja, ao mesmo
tempo, punitivo, corretivo e instrumento de inserção social visando o bem estar
do menor infrator o que, de antemão, já é possível responder que sim.
Convém ressaltar, porém, que
este questionamento partiu da premissa que o menor infrator é um ser social que
se mostra carente de cuidados singulares e que, apenas uma medida punitiva,
poderia tornar seus conflitos pessoais e sociais maiores, dificultando seu
retorno ao convívio social. Daí a preocupação em estabelecer a necessidade de
correção e mais além, inserção desse sujeito social à sua comunidade através de
projetos voltados e preparados para tal tarefa.
Como, porém, ou em que se
basearia este projeto para denotar credibilidade na sociedade, de um modo
geral?
Tal questão nos remete ao
título desta pesquisa, qual seja, o menor infrator e o projeto de
ressocialização: o ECA como instrumento diretivo das medidas socioeducativas.
Diz-se “o ECA como
instrumento diretivo (...)” por ser este um código preceitual que estabelece
direitos e deveres de crianças e adolescentes e que, além disso, versa sobre
comportamentos diversos destes enquanto agentes sociais, há mais de 25 anos,
“dispondo sobre a proteção integral da criança e do adolescente (ECA, 2009,
Art. 1º)”.
Como já citado no corpo
desta pesquisa, o art. 3º do código supracitado esclarece o gozo dos direitos
fundamentais da pessoa humana por estes menores. Ora, se como cidadão comum
exercem tais direitos é presumível que na excepcionalidade e acometimento de
ato infracional o mesmo também seja portador do merecimento regidos por
critérios normativos e estabelecidos para esse fim. Será pois, nesse momento e
com a percepção de que algo mais que se efetivou o “casamento” entre os
preceitos do ECA e as normatizações do Sinase.
No ECA, o art. 112
estabelece as disposições gerais das medidas socioeducativas após a verificação
da prática do ato infracional. O art. 35 do Sinase rege a execução destas
medidas socioeducativas, estabelecendo princípios para tal execução.
Sobre a internação do menor
infrator o ECA se pronuncia afirmando que esta “constitui medida privativa da
liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar da pessoa em desenvolvimento (ECA, 2009, art. 121)”; O artigo
49 discorre sobre os direitos individuais do adolescente submetido ao
cumprimento de medida socioeducativa.
A
partir da observação destes preceitos, da exemplificação da prática de ato
infracional por crianças e adolescentes e da verificação do cuidado do Poder
Público em estabelecer regras para a organização funcionamento de instituições,
de preparo do pessoal que atuará junto a este menor infrator, bem como a
designação de metodologia a ser aplicada, na condução do cotidiano do educando
socialmente sujeito ao processo socioeducativo e, respondendo ao questionamento
proposto quando iniciada esta pesquisa assim cremos:
a)
Se observados os preceitos do ECA no que
tange ao reconhecimento da condição do menor infrator
b)
Se verificadas as disposições dos Artigos 112
e 121 bem como as normatizações do Sinase constantes nos anexos deste trabalho,
Responde-se positivamente no
sentido de que é possível a ressocialização do menor infrator através de um
projeto que ao tempo em que seja
punitivo, seja também corretivo e instrumento que venha a inserir este
adolescente/jovem ao convívio social que
, não fosse as mazelas a que todos, de um modo geral, nunca deveria ter saído.
Assim fazendo a família, a
sociedade e o Estado, ao se fazerem presentes na vida destes jovens ressocializandos
estão, além de cumprindo um dever, estão resgatando um ser social importante dentro
do sistema da sociedade.
REFERÊNCIAS
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Portuguesa Evanildo Bechara. 1. ed. –
Rio de Janeiro: editora Nova Fronteira, 2011.
BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz
(orgs.) Cidadania, um projeto em construção: minorias, justiça e direitos. – 1.
ed. – São Paulo: Claro Enigma, 2012.
_____ Brasil. ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Paulo: CTP, impressão e acabamento, 2009.
_____ Brasil. Constituição da República
Federativa do Brasil. Obra coletiva da Editora Saraiva. 27. ed. – São Paulo: Saraiva,
2001 – (Coleção Saraiva de Legilação).
EXUPERY, Antoine de S. o pequeno príncipe.
Adap. Ruy Pereira. – São Paulo; Editora Escala, 2015.
FRAZÃO, Felipe; COURA, Kalleo; BARROS,
Mariana. Justiça só para maiores. In.: Revista VEJA. Edição 2430, ano 48, nº
24, 17 de junho. – São Paulo: Editora ABRIL, 2015.
MAGDALENA, José Carlos. Bandoleira. – São
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MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.
Manual do Direito Penal. Parte geral. 24. ed. – São Paulo: Atlas, 2008.
LICCIARD, Lívia Maria Silva; RAMOS, Adriana
de Melo. Por onde começa a superação da violência na escola? In.: TOGNETTA,
Luciene Regina Paulino. É possível superar a violência na escola? – construindo
caminhos pela formação moral. Luciene Regina Paulino Tognetta/ Telma Pileggi
Vinha (Orgs.). – São Paulo: Editora do Brasil: Faculdade de Educação UNICAMP,
2012. – (Coleção práxis educação).
SALOMÃO. In.: Bíblia Sagrada – Tradução João
Ferreira de Almeida. Ed. revista e corrigida. Co-edição (JUERP) Imprensa
Bíblica Brasileira. 7º ed. – São Paulo,
King Cross publicações, 2013