quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

UM FLUMINENSE TÃO FLAUBERT

Amigos, no tempo de Eça de Queirós, quando o articulista estava sem assunto, tinha uma solução genial, que era a seguinte: - xingava o bei de Túnis. em Túnis há sempre um bei, e é doce descompor alguém com a prévia e linda certeza da impunidade. Era uma delícia o autor de Os Maias xingar um desconhecido ilustre. Numa das vezes o bei protestou. Ao descrever fisicamente a vítima, Eça chamou o bei de “sórdido e obeso”.
            Possivelmente a importante autoridade não seria uma coisa nem outra. Ou talvez fosse magro, lívido e hierático. Mas o que eu queria dizer é que, como todo cronista, eu tenho o meu bei  de Túnis, chama-se Otto Lara Resende e trabalha ali na Procuradoria do Estado. Sendo esta uma coluna de futebol, por que a citação frequente e mesmo obsessiva de um homem que jamais deu uma botinada, jamais bateu um córner  ou um tiro de meta?
            O leitor dirá: - “É uma obsessão”. Ao que responderei: - “É uma obsessão”. Se eu pudesse, escreveria todo santo dia sobre o Otto. A princípio ele foi, estritamente, o meu bei de Túnis. Hoje é algo mais. Faz-me falta não citá-lo nas minhas crônicas. Sinto-me um frustrado e um vencido quando não uso o seu nome uma única e escassa vez. E o interessante é que também o leitor está viciado no Otto e tem saudades dos seus feitos, da sua figura, das suas piadas.
            Hoje, porém, vou falar do Otto a propósito do Fluminense. Pode parecer que uma coisa não tem nenhuma relação com a outra. Mas tem.. e explico. O Otto é uma coisa que não sei, francamente não sei, se compromete ou se consagra um estilista. Ninguém mais divino torturado. Por vezes uma frase lhe custa arrancos de cachorro atropelado. Outro dia o Hélio Pellegrino soprou-lhe a sugestão: “Não seja tão Flaubert de Salambô!”.
Por exemplo: - nas refeições o personagem de Otto “senta-se à mesa”, sempre inexoravelmente “à mesa”. E vamos e venhamos; - sempre que numa obra de ficção, o personagem senta-se com a classe referida, não é mais possível obra-prima, não é mais possível Ana Karênina. Ao passo que, pessoalmente, ele arrebata porque, no bate-papo, não há classe, não há Flaubert, não há Salambô, não há nada.
            Outro dia o Otto sentou-se com o Armando Nogueira. Três horas da manhã. E o escritor rilhou como uma Duse aos dezessete anos. Durante 45 minutos ele provou, por A mais B, que no Brasil o golpe é uma impossibilidade total. Convenceu o Armando. Em seguida, passou a demonstrar a verdade inversa, ou seja: - que no Brasil, o golpe é iminente, inevitável e necessário. Estava sendo ali um Sócrates sem alpercata.
            Agora a relação do Otto com o Fluminense. Domingo passado, durante os primeiros vinte minutos, o Fluminense foi um Otto, foi um estilista. Mas no futebol, como na literatura, convém não  caprichar demais. Enquanto o Fluminense foi perfeito, não fez gol nenhum. Tudo certo, exato, irretocável, como a redação do Otto. No meu canto, eu via a hora em que perderíamos mais um ponto fatal. E vem a grande verdade: - a obra-prima, no futebol e na arte, tem que ser imperfeita. A partir do momento em que o Fluminense deixou de ser tão estilista, tão Flaubert, os gols começaram a jorrar aos borbotões.


(O Globo, 9/11/1963). In: Rodrigues, Nelson. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol. Seleção e notas de Ruy Castro.- São Paulo: Cia das Letras, 1993. 

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Poemas e outros XII

Liberdade
(Carlo Marighella)

Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão dominadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.







Poema de frei Tito

À Mulher

Vestiste de brancas nuvens e de sol azul
foste musa dos deuses;
de Baco, foste a primeira dama.
Alegraste corações, criaste profundezas.
Nos teus seios, pousou a mais bela borboleta
porque os tornaste esplendorosos como uma Rosa.
Rosa que cheira;
Rosa que atenta
Rosa que ama.
Sois toda pura,
Ó formosa e bela mulher.
(L’Arbresle, 12 de julho de 1973).





quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Palestra na U.E João Leal - Nazaré - Pi

Palestra para os adolescentes e jovens da Unidade escolar João Leal – Nazaré do Piauí.
Idealizador do Projeto: Professor Dias
Disciplina: História.




No dia 28 de novembro do corrente ano a Unidade Escolar João Leal, em Nazaré do Piauí, fez um programa diferente com seus alunos: convidou um grupo de formandos em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI para falar alguns temas que chamassem à atenção aos alunos. O tema escolhido foi O adolescente, o ECA e a convivência saudável em sociedade, tema este dividido entre quatro jovens palestrantes.


Inicialmente, Isabelle O’meara de Oliveira Venceslau discorreu, a título de introdução, sobre os aspectos gerais do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – e o  trabalho infantil, apresentando as facetas tanto dos direito quanto dos deveres do adolescente. 
A seguir, Kleymone Silva de Sousa falou sobre os atos infracionais praticados por adolescentes, destacando e esclarecendo sobre as penalidades a que estão sujeitos os pequenos infratores, desmistificando a ideia que apregoa que o menor não é punido por atos ilegais. Roseno Marques, que além de formando é policial militar no Estado do Maranhão tratou das drogas no contexto do adolescente. Para isto, especificou os tipos de drogas disponíveis no mercado, bem como os males que afetam o organismo dos usuários, com ênfase na mudança de comportamento destes quando necessita e não tem recursos para adquirir os produtos aos quais estão viciados.

Por fim, Wanderlan da Silva Nunes – policial civil no estado do maranhão –  apresentou, como temática de sua palestra, medidas protetivas relativas aos atos infracionais dos menores, onde abordou aspectos gerais, medidas praticadas, situações em que o menor se encontra à disposição da Justiça bem como as medidas socioeducativas adotadas visando a inserção do adolescente aos convívio social.

O que se percebeu, ao final de um período de aproximadamente 120 minutos e que os objetivos do projeto foram alcançados. A atenção demonstrada pelos presentes, tanto alunos quanto professores e as discussões posteriores baseadas no tema agiram como termômetro positivo do que foi apresentado. A comunidade presente, composta de alunos, professores, coordenadores e gestores e os representantes do Conselho Tutelar de Nazaré do Piauí – Janete e Lucas – se mostrou satisfeita com a palavra dos jovens oradores que, vale ressaltar, são estagiários do Ministério Público em Floriano – Piauí.

Assim, um agradecimento aos jovens palestrantes pela disposição e boa palavra; à diretora e à coordenadora da escola; aos representantes do Conselho Tutelar da urbe nazarena, aos professores que participaram, dando seu apoio à proposta e a todos os alunos que estiveram atentos, externando o interesse pelo tema apresentado.


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O MENOR INFRATOR E O DE PROJETO
DE RESSOCIALIZAÇÃO: O ECA COMO INSTRUMENTO DIRETIVO DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS.

Reneany Michele Teles Costa

1.     INTRODUÇÃO

A quantidade de ações criminosas praticadas ou direcionadas a quem possa ser qualificado como menor infrator, tem aumentado consideravelmente e em todos os municípios brasileiros a cada dia. Basta que um aparelho de TV seja ligado em um noticiário ou que se tenha acesso a noticiosos impressos – jornais e revistas – ou, ainda, que se acompanhem redes sociais para que se perceba a realidade da marginalidade envolvendo crianças e adolescentes nos mais variados tipos de crimes.
Investigar e apresentar soluções viáveis ao problema tem sido o tema da discussão de vários setores da sociedade que pretendem que todo e qualquer indicador referente a dados criminais que envolvam menores infratores seja mostrado em linha descendente. O que se percebe, no entanto, ao efetuar um estudo tendo como parâmetro o cotidiano de crianças e adolescentes que habitam tanto a periferia quanto os grandes centros urbanos é que “a bola” tá sempre passando de uma mão para outra quando se trata de apontar descasos e responsabilidades com a vida destes pequenos.
Desse modo, família, escola, meio social em que vive, o sistema de segurança – ou a falta deste – seriam agentes contribuintes para o crescimento da marginalidade infanto-juvenil. Correndo por fora, mas nem por isso menos preocupante aparece o aproveitamento destes marginalizados/abandonados por setores organizados e envolvidos com drogas e entorpecentes dos maia variados tipos que tem a criança e o adolescente como alvo principal tanto para o consumo quanto para o comercio de suas mercadorias.
Tratar o problema, porém, envolve outros tantos agentes sociais. Instrumentos punitivos e organizativos são criados e dinamizados constantemente. O Estatuto da Criança e do Adolescente, os preceitos constitucionais contidos na Carta Magna de 1988, o SINASE – Sistema nacional de atendimento socioeducativo, os conselhos tutelares e uma gama de diretrizes todas voltadas à detecção, à prevenção, ao combate e à recuperação de envolvidos interagem entre si intuindo a recolocação do menor infrator no seio do seu ambiente social, tirando-o da marginalidade e lhe devolvendo a cidadania perdida.
Essa condição, a de menor infrator e, por conseguinte, sujeitos aos rigores da lei é o cerne deste trabalho que se apoia no ema O menor infrator e o projeto de ressocialização: o ECA como instrumento diretivo de aplicação de medidas socioeducativas. O que se pretende a partir do esmiuçamento da temática em pauta é buscar no ECA, principalmente mas também  nos demais códigos preceituais de conduta e medidas punitivas e de ressocialização a melhor maneira de recolocar esses jovens aqui qualificados de menores infratores no seio social que lhes possa reoferecer oportunidades que hão de devolver-lhes a dignidade e a condição de indivíduos socialmente aceitos.
Desse modo, para que o tema proposto desencadeie possibilidades reflexivas aceitáveis ele, o tema, apoia-se no seguinte questionamento: É possível um projeto de ressocialização que seja, ao mesmo tempo, punitivo, corretivo e instrumento de inserção social visando o bem estar do menor infrator?  Espera- se, portanto, que ao final desse trabalho tal questionamento se encontre elucidado de maneira que sua compreensão seja possível. Convém ressaltar que seu objetivo é o de enfatizar a legitimidade dos preceitos contidos no Eca (enquanto instrumento legal que preceitua não só os direitos mas também os deveres do menor) para a efetivação de medidas socioeducativas.
Assim, cabe ressaltar que o ECA, contrariando alguns pensamentos, não se trata de um instrumento novo ou uma “nova lei. Sua existência já quase completa três décadas:

A Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) é um modelo jurídico inovador do direito e do resgate da cidadania. (...) Faz um chamado à sociedade para o reconhecimento da criança e do adolescente como seres humanos, em peculiar desenvolvimento, consequentemente, respeitando os princípios universais dos direitos humanos (ECA, 2009, p. 9).


O ECA, portanto na condição de instrumento de preceitos mais usado no decorrer desta pesquisa tem credibilidade e se sustenta. Por resgatar a cidadania; por fazer chamamento à sociedade no envolvimento com seus preceitos; por reconhecer a condição de humanos à criança e ao adolescente e por fomentar o desenvolvimento destes por isso a sua instrumentalidade ser um dos pilares deste trabalho.
Mas o referido trabalho obedece também às normas metodológicas exigidas na construção de uma pesquisa acadêmica. A sua metodologia será, quanto ao seu procedimento de coleta de dados, bibliográfica e se sustentará apoiado em vasta bibliografia especializada extraída em livros que discorrem sobre o tema que aqui se explora. Também se usará informações de artigos científicos e de sites especializados. A característica de cunho bibliográfico será verificada ainda no que se refere à fonte de informação; segundo a natureza dos dados coletados, será uma pesquisa qualitativa.
Por fim, com essa base jurídica destacada – o ECA -  pretende-se que os elementos envolvidos, quais sejam, o menor infrator, os agentes sociais, o processo e o fim – a mudança no modo de encarar as novas perspectivas que lhes serão oferecidas – sirvam tanto para a análise , conceitual ou prática, quanto para a observação em situações futuras que envolvam à criança e o adolescente e em que haja a necessidade de base teórica//conceitual e que seja concernente ao sujeito aqui estudado. Não pretende este trabalho, de modo algum, a alcunha de manual pronto e absoluto sobre o tema. Espera, porém, ser útil em pesquisas futuras.


2.     O MENOR PERTENCENTE AO AMBIENTE SOCIAL EM QUE VIVE: INFLUENCIA DO MEIO NO QUAL HABITA.


2.1   Reflexão sobre a criminalidade

Ao iniciar o resumo do seu estudo intitulado “Menores infratores: uma reflexão sobre o contexto social e infracional” a professora Maria Aparecida Batista de Lima e Silva afirma ser “notável o crescimento do índice de delitos praticados por menores, diariamente reportados pela mídia local e nacional”.
Este estudo da professora Lima e Silva (cida.limasilva@bol.com.br, 2017), se baseia em pesquisa realizada no município de Barra do Garça, MT mas reflete a realidade, senão de todos os municípios brasileiros, certamente o será de sua maioria. A questão da marginalidade infanto-juvenil há muito deixou de ser novidade, algo pra ser visto na TV ou ouvido no rádio. Não é mais notícia interessante.
O “notável crescimento” se desperta algo na sociedade é medo. Na medida em que cresce o índice de delitos praticados, na maioria por sujeitos sociais menores que 18 anos, a sensação de insegurança cresce proporcionalmente. O cidadão de bem, que trabalha, que zela pela família, que procura um lazer nos finais de semana ou feriados não se sente seguro também na sua própria casa. Diz-se “também em sua própria casa” por se reconhecer que na rua essa insegurança prolifera e domina desde há muito tempo. Essa insegurança em casa ou na rua se verifica, de modo geral, em qualquer ambiente social nos dias atuais.
Igrejas mudam seus horários e rotinas tencionando que seus fiéis voltem mais cedo para casa; casas noturnas sistematizam sua funcionalidade e medidas de prevenção instituindo seguranças e outros meios de proteção à clientela; casas comerciais de pequeno e médio porte com suas entradas e acessos gradeados – as grandes lojas contam com um aparato de segurança sofisticado que incluem guardas preventivos e câmeras de circuito interno.
Em suma, o comportamento do homem social mudou em função da criminalidade no seu entorno, no seu dia a dia. Em pleno século XXI, no auge das grandes descobertas e dos incríveis avanços tecnológicos o homem resedentariza-se, agora por medo dos seus semelhantes e, pasmem, na maioria dos casos esse semelhante é menor de idade; uma criança, um adolescente. Sedentariza-se dentro da sua própria casa e por medo de sair à rua. Sua casa é gradeada, com cercas elétricas em muros altos; câmeras instaladas e cães bravos completam o aparato de proteção. Tudo para se proteger de quem tenta “pular seu muro” e lhe assaltar.
Os bandidos estão armados. Armas originais; armas de brinquedos; armas de papelão. Não importa! No momento da abordagem elas assustam e esse é o objetivo: assustar e cegar a vítima para que não percebam que, além de assaltados estão sendo ludibriados. Não há como saber, no momento, se a arma funciona ou não; se é real ou engodo.
Roubam celulares, roubam a bolsa da moça que anda sozinha e também da que anda acompanhada, roubam a moto do rapaz. Roubam até a dignidade de quem é roubado. E essa dignidade é irrecuperável, não retorna, pois a linguagem dirigida à vítima tem a finalidade de diminuí-lo; de fazê-lo sentir-se ninguém. Lixo. Essa é a sensação, a de ser lixo.
O que fazer diante de um quadro tão assustador e deprimente? Desarmamento, combate às drogas e aos traficantes, instrumentalização de códigos de leis e de medidas punitivas ocorrem a todo instante. O que fazer? Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, SINASE, Conselhos Tutelares, de classe, de escola são instrumentos ativos e que interagem entre si na busca de combater esses índices afrontosos à toda a sociedade.
Algo precisa ser feito. A interação entre o poder público e a sociedade, a revisão dos sistemas de segurança e as medidas preventivas para evitar ocorrências e de ressocialização para aqueles que já, por circunstâncias pessoais, se tornaram infratores são formas que, se agilizadas, nos permitem pensar que haveremos todos, de desfrutar de dias melhores.


2.2 Os instrumentos reguladores e a criança e o adolescente no contexto do crescimento da criminalidade nos ambientes sociais.


2.2.1       os instrumentos reguladores das ações punitivas e socioeducativas de menores infratores.

O que se tem percebido em trabalhos anteriores, de natureza jurídica ou não, é que o uso de documentos e instrumentos usados no decorrer de sua execução é feito de forma aleatória, sem nenhuma descrição de forma e finalidade do referido documento.
No intuito de corrigir essa falha e de evitar imbróglio em relação ao conteúdo ou função faremos uma rápida descrição do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, maior fonte de informação para a formação do corpo bibliográfico deste trabalho, bem como da Constituição Federativa do Brasil e do SINASE.
O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente completou 27 anos de sua promulgação e ao ser apresentado à Sociedade a presidente do CMDCA/SP, Elaine Aparecida Macena Batista Ramos dele disse que

A Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) é um modelo jurídico inovador do direito e do resgate da cidadania. Faz um chamado a sociedade para o reconhecimento da criança e do adolescente como seres humanos, em peculiar desenvolvimento, consequentemente, respeitando os princípios universais dos Direitos Humanos (ECA, 2009, p. 9).


            E ao fazer referencia à Constituição Federal e à Declaração Universal dos Direitos Humanos, acrescentou

O reconhecimento e o respeito que a sociedade brasileira tem por essas Leis são passos importantes para superar um passado de violação dos direitos humanos no Brasil. (. . .) Sabemos que esta não é uma batalha fácil, pois muda códigos, valores e significações o que faz com que todos sejam responsáveis pela criança e pelo adolescente (IBID).


            Como documento voltado para a sistematização do comportamento e do tratamento a ser dispensado ao menor, este, tanto na condição de ser social comum ou como menor infrator, o Estatuto da Criança e do Adolescente detém toda a credibilidade necessária para a sua aceitação e para o uso dos seus preceitos. A sua base – a Constituição do do Brasil, de 1988 – e os Princípios Universais dos Direitos Humanos representam aval suficiente para  a sua aceitação.
            Além do ECA, a Carta Magna brasileira também emprestará os preceitos básicos para a compreensão da condição e, principalmente, o cuidado a ser dispensado à criança e ao adolescente, cuidado este que, segundo o Art. 227, envolverá três instituições básicas em torno destes sujeitos sociais: a família, a sociedade e o Estado.
Por ultimo, mais nem por isso menos importante, o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que, segundo ele mesmo, “é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas...” (DOU, 2012, p.1), será o documento base para a interpretação dos melhores caminhos a serem seguidos na execução de projetos socioeducativos voltados para a ressocialização do menor infrator.
Portanto, para discorrer sobre o ECA enquanto instrumento jurídico faz-se necessário que conheçamos a sua intenção, além dos seus preceitos, estes – os preceitos – baseados na Constituição Federal, aqui também usada  como objeto fornecedor de regras de conduta que organizam a vida do homem em sociedade.
Além disso, para que o entendimento dos princípios e medidas socioeducativas em todo e qualquer projeto de ressocialização, o SINASE é o órgão que melhor fornece princípios e regras para o desenvolvimento de medidas socioeducativas, conforme a descrição do anexo II.

2.2.2 A criança e o adolescente frente à realidade cotidiana da violência

            Uma proposta de estudo em que o menor – tanto a criança quanto o adolescente- seja o requer consciência e conhecimento. Consciência de que o tem a escolhido é, ao mesmo tempo, rico e delicado; perigoso e conhecimento pela variedade de situações em que o menor se encontra inserido e, por isso, injustiça, ao descrê-los, omitir dessas situações.
            Entender a criança e o adolescente, portanto, no mundo em que ele se depara com a variedade de recursos disponíveis para o seu desenvolvimento e que, em um  passado não muito distante, seus de nada dispunham traz a tona a conscientização da velocidade em que tempo e tecnologia tem se  em transformações  significativas que muitas vezes, ao em que facilita a dinamiza a intervenção humana, confunde pela certeza de que ali, há apenas vinte ou trinta anos o  mundo era diferente e, do mesmo modo, a ação da criança/homem.
            A criança não vive mais o mundo inocente do jogo de bola-de-gude; pipa; do carrinho de rolimã ou das tardes em frente a TV vendo ,perdido no espaço ou zorro; o cavalo de pau improvisado de um cabo de vassoura ou de uma palha devidamente trabalhada para tal fim. A inocência revelada muitas vezes nas perguntas que, ainda assim, embaraçavam seus pais.
            Esse mundo há muito (tão pouco tempo) passou. X–Box, DVDs,  diversos aparelhos de plasma, celulares cada vez mais sofisticado; instagran, face, blogs, luzes, cores e sons diversos o cotidiano das crianças no século XXI  e  que fazem com que a se sobreponha a realidade; com que as ausências e os afetos sejam submetidos pela encontrada na prateleira da loja da esquina, qualquer peça com preço e condições facilitadas, fácil de ser adquirido. Esse admirável mundo novo esta presente, hoje, na vida de qualquer criança e adolescente.
            Desse modo, pesquisar e tematizar a criança e o adolescente requer o da consciência: o mundo mudou, logo, a criança, seus costumes, seus espaços, seus anseios, relações pessoais, sua formas de brincar, interagir, se definir enquanto ser social também mudaram e este criança requer ser entendido nesse contexto.
            O pequeno príncipe certamente figura em qualquer relação dos livros mais lidos em todos os tempos e deve se extrai a que segue:

As pessoas grandes aconselham-me a deixar de lado aos desenhos de abertas ou fechadas e me interessar de preferência pela  geografia, pela história, pelo cálculo e pela gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma magnífica carreira de pintor. Eu que pelo insucesso do meu desenho numero 1 e do meu número 2. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhos, e é cansativo, para as crianças, sempre e sempre estar explicando (EXUPERY, 2015, P.8).

A questão a ser considerada então, a partir das elucubrações de Exupery (2015) é o desencorajamento; não de dois desenhos representados, mas de uma vida. A desvalorização da produção de uma criança acarreta a quebra da confiança em si mesmo. Os questionamentos agora passarão a sr outros; as suas perspectivas serão modificadas por “porquês”: porque não geografia ou história; porque não cálculos ou gramática...
A via contrária seria, portanto, instruir a criança nos seus caminhos. Segundo Salomão (2013),este, sábio rei da antiguidade, instruir a criança durante a sua fase de desenvolvimento em caminhos certos “até quando crescer não se desviará dele”(p.880). Em substituição ao desencorajamento, instrução.
A pretensão aqui não é afirmar, porem, que todo desvio ou fracasso de crianças ou adolescentes se efetive por falta de instrução. De modo algum! No entanto, muitas vezes, ainda que não se desencoraje diretamente, as ações e atitude em relação ao menor farão com que seus rumos tomem “outros rumos”.
Instruir a criança, portanto, requer compreensão de todos os movimentos iniciados seja no âmbito escolar, esportivo, social, criativo e ou religioso. Está criança estará ansiosa por uma palavra que signifique que “ele vai bem”; que está nos caminhos certos. Que ele fez algo bom. Dá esse apoio não se torna tarefa difícil e, em contrapartida, pode mudar uma vida.
Para Magdalena (2007) o rádio e a mídia impressa se encarregaram da propagação do que seria a vida de Tatinha, esta, menina de periferia que tentava apenas dá rumo certo à sua vida. Diz Tatinha que

Na época dos fatos eu tinha meus 14 para 15 anos. Na escola, antes dos incidentes, me conheciam por Tatinha. Depois, quando as coisas começaram a acontecer e os programas das rádios e os jornais cuidaram de exagerar na dose, criaram para mim vários cognomes: bandoleira! Fera do subúrbio! Feiticeira! (MAGDALENA, 2007,p.10).

Segundo o autor (MAGDALENA, 2007) Tatinha é uma personagem real, é gente; gente que anos  depois das narrativas em torno de si, teria juntado o que conseguiu reunir como sua família, mudando-se para o Mato Grosso. Bem antes, durante o seu período de escola pública em Araraquara, interior de São Paulo, ela viveria os conflitos comuns à toda criança de sua idade mas, apesar de tudo, como também toda criança de faixa etária semelhante, tinha seus sonhos. “Sonhava em transpor obstáculos que estavam em meu caminho para me tornar uma escritora (IBID)”. Quais obstáculos? – Não sabemos. O que é sabido é que todos os seus sonhos, todos os seus anseios, todas as suas construções desapareceram quando ela se tornou a bandoleira, a feiticeira.
Depreende-se dessa exposição que instruir não se vincula ao rótulo, ao estigma direcionado ao circunstante, neste caso, uma criança. Bem antes dessa rotulação, deve-se considerar a necessidade de afirmação do sujeito – criança ou adolescente -. Tatinha gostaria, entre tantas outras possibilidades em sua vida cheia de sonhos e expectativas “(...) representar bem minha classe (...). Eu tinha boas ideias (MAGDALENA, 2007, p.11)”. Boas ideias desencorajadas a ambos os personagens das narrativas apresentadas até este instante; não houve possibilidade alternativa para eles. Essa possibilidade alternativa pode – não é imperativo – ser entendida como socialização, esta tendo de ser construída na relação criança/adulto.
Licciard; Ramos (2012) citam Piaget para aclarar que tal socialização se efetiva de duas formas:

Em síntese, Piaget explica que há duas formas de socialização dos homens: a primeira exercida pelos adultos em relação à criança, pelo respeito unilateral. (...) a criança vê como correto tudo que vem do adulto. (...) A segunda é pelo respeito mutuo, na qual a cooperação é possível e, consequentemente, há o favorecimento da autonomia moral e intelectual (LICCIARD; RAMOS, 2012, p. 25).


Os relacionamentos criança/adulto ou vice-versa há muito é debatido em várias instâncias e relacionados a diversos objetivos, na maioria, distintos uns dos outros. Nas escolas esse mote reaparece, agora trabalhado na relação professor/aluno. Para o mestre Piaget (LICCIARD; RAMOS, 2012) estes relacionamentos sempre hão de se apresentar de duas formas, qual sejam, unilateral e de respeito mutuo.
Na primeira situação o pequeno sempre verá na figura do adulto um ponto no qual poderá fixar sua referência. O adulto, portanto, representa segurança e ponto de partida para as suas construções a serem efetivadas.
Já no segundo caso a interação, a vivência pactuada, a troca de informação e experiências partilhadas os tornará a ambos – adulto e criança – autônomos tanto moral quanto intelectualmente.
Ao continuarmos a leitura da primeira narrativa perceberemos que o mundo da criança continuará fechado em relação às expectativas criadas no que se referir à relacionar-se com o adulto. A sua vivência e modo de perceber a realidade e as atitudes ao seu derredor irão, gradativamente, operar negativamente no sentido de criar afinidades. Caberá ao adulto, portanto, organizar o contato e a maneira de agir em relação à criança, criando vínculos e inspirando confiança.


2.3 Dos desencorajamentos ao experimento do mundo real: quando os contatos com a delinquência mudam a vida da criança e do adolescente.

            Uma pergunta instigadora: o que é mais fácil para a criança/adolescente, o contato com a instrução ou com a delinquência?
            A pergunta é procedente e pretende-se, com ela, despertar uma reflexão. Convém que se perceba que se pergunta o que é mais fácil; não qual o primeiro contato. Considerando-se que o assédio às crianças enquanto possibilidade de usuário e atravessador se verifica, em grande parte em frente à escola ou quando os jovens se dirigem a esta, dir-se-á que há uma igualdade no percentual. Mas, no geral, o contato tem grande possibilidade de ser, primeiramente, com a instrução, haja vista que essa pode – e deve – iniciar-se no seio familiar. Volta-se, então, ao “instrui a criança no caminho       em que deve andar (SALOMÃO, 2012, p. 880)”. No meio social, no lar, na escola, a criança se cerca de instrução. Repete-se, pois a pergunta: o que é mais fácil?
            Para Tatinha, segundo Magdalena (2007) tal e qual se apresentaram quase que simultaneamente. Vejamos:

Para Tatinha, segundo Magdalena (2007) ambas as possibilidades se apresentam quase que simultaneamente. Vejamos:
Foi de repente, peguei o gosto pela leitura. (...) o primeiro livro que li num fôlego só, em dois dias e duas noites foi “Cidade de Deus”. Cara, mó barato! Aí me liguei! (...) pouco antes, num embalo cego, em experimentei a maconha. Caí prostrada. Achei uma merda! Se quiser saber, a leitura me deu e me dá um barato muito mais que esse troço da maconha (MAGDALENA, 2007, p. 11/2).

            Percepção! A personagem central do autor em epigrafe (MAGDALENA, 2007) teve a percepção do que lhe seria melhor escolha.  Biblioteca, os livros, a internet lhe davam “um barato muito maior”. Em dois dias e duas noites ela já poderia propagar qual o caminho havia escolhido para seguir. Entende-se que não foi uma escolha fácil, decidi em um tic-tac. Nesse momento de escolha amigos, meio, vontade de identificar-se tendem a influenciar o que devamos decidir. Para ela, Tatinha, a avidez pela leitura sobrepuja a droga que a fez “cair prostrada”. Não se tem, no entanto, base empiria ou cientifica que afirmem que toda criança e/ou adolescente vivendo as mesmas situações decidam semelhantemente. Daí a necessidade da orientação, do amparo experiente.
Dois posicionamentos da personagem merecem comentários. Primeiramente vem o gosto pela leitura. Chegou de repente! Não há menção de como se deu esse primeiro contato com a leitura, mas Tatinha achou “mó barato!”. É possível que tenha sido na biblioteca, da escola ou itinerante; mas é possível também que alguém lhe tenha dado ou indicado o livro. Especulação que novamente nos remeteria ao “instrui a criança”. O importante é que a experiência, até onde se percebe, foi gratificante para ela. Sobre o que pensa a maioria de seus colegas, diz que “o lance é que a maioria da galera não se liga nesses lances de leitura nem internet. A maioria está afim de curtir balada funk, o hip hop, o rapp, o escambau! ( Ibid, p.12)”.
Em segundo lugar, sobre a maconha irá afirmar que foi “num embalo cego!”. Aqui convém que uma pergunta seja lançada: como aconteceu esse embalo cego? Por acaso? Premeditado? Através de um desconhecido que lhe ofereceu ou seria alguém de sua confiança que deveria ajudar-lhe na instrução?  Para ela, Tatinha, o contato com a droga foi ruim mas no turbilhão do seu mundo quantos pensarão da mesma maneira e entenderão o contato com as mazelas oferecidas algo que não seja “mó barato”?

            2.3.1 o contato com a delinquência mudando a vida de jovens no interior do Piauí.

            A percepção da personagem de Magdalena (2007) nos leva a refletir sobre o comportamento da maioria das crianças e adolescentes que se encontram na marginalidade, independentemente de análise da natureza do seu crime. É comum quando se acompanha os noticiosos sobre crimes cometidos por estes, ouvirmos falas da inconsciência do ato praticado o que na maioria das vezes é reiterada a fala por profissionais encarregados de agirem em suas defesas e encaminhamento para locais de suas recuperações.
            Segundo Mirabete; Fabrini (2008) essa faixa etária já permite que os jovens tenham conhecimento e discernimento sobre possíveis atos criminosos que venham praticar, no que afirmam:  

Ninguém pode negar que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje pleno conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus atos. Entretanto, a redução do limite de idade no Direito Penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê , aliás, instrumento eficazes para impedir a pratica de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados (MIRABETE; FABRINI, 2008, p. 215).


            Para os autores acima (MIRABETE; FABRINI, 2008) na idade entre 16 e 17 anos o jovem já tem discernimento para entender a gravidade de atos praticados e, por isso, tem condições de arcar com as consequências dos mesmos. Discernimento e condição, portanto, além da idade, são descritores da situação desses jovens. Os autores ciados destacam ainda que, independentemente do meio social o jovem dos dias atuais, todos, tem conhecimento de mundo suficiente para entender das questões de atos ilícitos e inconvenientes à sua conduta. Tais condutas estão previstas, segundo os mesmos autores, no Estatuto da Criança e do Adolescente.
            Com base nessa percepção dos referidos autores pode-se inferir que os adolescentes que serão citados a seguir se enquadram dentro dessa afirmativa das condições e discernimento dos ato praticados.
            Em um texto assinado por Frazão; Coura e Barros (VEJA, 2015) que defende o título de Justiça só pra maiores, quatro menores são apontados como autores de um crime de estupro coletivo na cidade de Castelo do Piauí que, como agravante, culmina com o óbito  de uma das garotas violentadas. Estes quatro jovem estariam acompanhando o sr. Adão José da Silva, 39 anos.
Segundo o texto, Adão abordou as garotas com uma arma e forçou as mesmas a ter relação sexual com ele. As garotas que teriam subido o morro para tirar umas fotos com celulares após serem estupradas teriam sido jogadas por Adão morro abaixo. A verdade que se percebe é que ainda que tenham sido abordadas apenas pelo maior de idade, sabe-se pelo depoimento de um dos menores apreendidos que todos mantiveram relação sexual com as garotas. Assim, J.S.R (16 anos) ainda “tentou terminar o serviço” – o de matar as garotas – o que conseguiu apenas em parte uma vez que Danielly Rodrigues Feitosa, 17 anos, viria a óbito alguns instantes depois.
Apontado como crime de natureza bárbara, que na ocasião chocou a todos que dele tiveram conhecimento, nos induz a uma reflexão em relação a todos os envolvidos e que se torna mote interessante no momento em que se estuda a viabilidade de um projeto de ressocialização que tenha como sujeitos o menor infrator. Não há como se manter alheio quando algo semelhante a este acontecimento se produz tão perto da sociedade que vivemos. Normalmente as noticias vem de longe, causando impactos menores o que se caracteriza como alheamento da realidade social que nos acerca.
“Todos os envolvidos”, fragmento do subtítulo acima, incluem também as e continua internada em estado grave(p. 42)”. Com base nessa informação, e à guisa de reflexão, faz-se destaque para o fato que oito adolescentes estiveram envolvidos neste ato criminoso, quatro como vitimas.
Os estupradores menores, I.V.I (15 anos); J.S.R (16 anos); B.F.O (15 anos) e G.V.S (17 anos), de acordo com a reportagem da revista Veja (2015) “ficarão, no máximo, três anos internados (p. 41)”, e continua em relação aos menores infratores declarando que

serão encaminhados a centros de correção, onde ficarão internados por um prazo máximo de três anos e de onde sairão como réus primários. É o que determina no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (FRAZÃO; COURA; BARROS, 2015, p. 42).


Essa ponderação dos autores citados (FRAZÃO; COURA; BARROS, 20115) encontra-se baseada no artigo 121 do ECA que em seu caput diz que “a internação constitui medida privativa da liberdade (...)” e que no parágrafo 3º encerra afirmando que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos (ECA, p. 42)”.
Desse modo entendido, a expectativa que se alimenta a partir de agora é como estarão esses jovens ao deixarem suas internações, findados o prazo máximo determinado por lei para as suas penas. A questão é observar se o projeto estabelecido para eles reflete as necessidades de ressocialização de cada um. Saber quais recursos estarão sendo disponibilizados; quais profissionais os estarão acompanhando, atentos no dia a dia desses jovens; que tipo de formação educacional e profissional lhes serão oferecidas uma vez que, pretende-se, serão ressocializados.
O “serão encaminhados a centros de correção (...)” demanda um projeto que restabeleça os seus respeitos por si mesmos e pela sociedade a qual tenham vinculo de pertencimento. Demanda ainda o reconhecimento de que precisam serem instruídos em novos caminhos; em rumos que se adequem à perspectivas diferentes para os seus futuros.


2.4 Ressocialização no contexto dos preceitos jurídicos do ECA, SINASE e Constituição Federal de 1988.

A suma de todos os preceitos jurídicos contidos nos documentos citados acima é estabelecer regras de conduta através do reconhecimento de direitos e de deveres de indivíduos enquanto cidadãos, o que remete á necessidade de esclarecer, conceituando, o que seja cidadão e/ou a sua extensão, cidadania. Entendendo cidadão como alguém que pertença, faça parte da cidade, do meio comum a todos, podemos afirmar acerca de cidadania que esta seja uma “identidade social politizada” que

Envolve modos de identificação intersubjetiva entre pessoas e sentimentos de pertencimento cridos coletivamente em inúmeras mobilizações, confrontos e negociações cotidianas práticas e simbólicas (BOTELHO; SCHWARCZ, 2012, p.11).


A questão da identidade social e todo o seu envolvimento com o individuo abrange, ainda que regularmente, o menor, aqui designado menor infrator, a partir do momento em que venha a cometer ato infracional previsto na lei. Segundo Botelho; Schwarcz (2012) cidadania cria – ou gera – uma identificação entre pessoas e seus sentimentos, estes o de pertencer a criações coletivas que se manifestam em situações diversas.


2.4.1 Crianças, adolescentes e o ato infracional.

Segundo o ECA , no seu Art. 2º “considera-se criança, para efeito desta lei, a pessoa com até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (p. 45)”.
Antecedendo a este esclarecimento, o art. 1º do referido código (ECA, 2009) informa que a lei contida no documento versa sobre a proteção dos sujeitos referidos no Art. 2º, qual seja, a criança e o adolescente, sendo essa proteção efetuada de modo integral, o que nos remete à busca de entendimento de como essa proteção se efetivará, de fato. Ocorre que a lei escrita costuma ser rebuscada, complexa, dificultando o entendimento, a que nos leva a recorrer a esclarecimentos minuciosos. O Artigo 3º do ECA versa, justamente nesse sentido, intuindo facilitar o entendimento e agilizar o atendimento àqueles que porventura se encontrem em situação de carecimento da lei:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades ou facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (ECA, 2009, p. 45).

Não é muito fácil entender a intenção desse artigo a partir do momento em que diz que ambos os sujeitos descritos gozam “de todos os direitos fundamentais da pessoa humana (...)”, o que poderia desumanizar à criança e ao adolescente. Entendemos, porém não ser essa a finalidade.
No que se refere à proteção integral, novamente abre-se um leque de dúvidas quanto a essa integralidade, o que, na execução de um projeto de ressocialização confundiria os responsáveis pela execução do projeto ou, em via contrária, distribuiria responsabilidades de difícil execução, prejudicando a execução de qualquer projeto voltado para a ressocialização de menores infratores.
Ressocializar entendido como “facultar o desenvolvimento” seja ele físico, mental, moral, espiritual e ou social requer e acarreta responsabilidades, daí alguns projetos não serem executados a contento. Essa afirmativa ainda que ressoe como juízo de valor é verdade não dita.
O que pode ser refletido dessa colocação seria o fato de ser impensado um projeto de ressocialização sem a preocupação com os aspectos inerentes ao sujeito a ser socializado, descrito no artigo no Art. 3º do estatuto da criança e do adolescente. O “Facultar o desenvolvimento”, neste caso, teria que ser observado e analisado desde a sua projeção, execução e finalização, avaliando o estado e o bem estar do sujeito (re) socializado.
Mas além destes aspectos destacados no Artigo 3º do ECA, a Constituição Federal de 1988 ratifica – e acrescenta – outras situações a serem observadas quando o sujeito for a criança e o adolescente. Veja-se o Art. 227 da Carta Magna brasileira

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (C.F., 2001, p. 132/3).


Segundo o Artigo constitucional a tríade família, sociedade e Estado  é detentora da responsabilidade de “assegurar” à criança e ao adolescente as condições para que exerçam a sua cidadania – um direito – com dignidade, uma condição. Para isso diversos aspectos são apontados como itens obrigatórios desse cuidado a ser dispensados através das instituições citadas.
Para a Constituição Federal (2001) os direitos assegurados ao menor e que representam objeto de gerenciamento dessas instituições que deveram interagir entre si no zelo e observância da condição do menor não podem – e não devem – ser tratados com “negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (p.132/3)”. É imperativo afirmar que o exercício desses direitos hão que contribuir para o desenvolvimento de crianças e adolescentes no aspectos já mencionados e destacados no Art. 3º do ECA , sendo estes  físico, mental, moral, espiritual e social.
Convém que seja destacado que este zelo com a pessoa de menores se verificará conquanto esteja, também, em regime de internação. Nesse sentido o Art. 124 do ECA (p. 79), em seu caput e em todo o seu corpo de incisos – no total de 16 – e em dois parágrafos especifica a condição de menor que esteja recolhido ao regime de interno (cf. Anexo I). O fato de cumprir internação por possível ato criminoso não o deve privar dos direitos adquiridos enquanto pessoa humana, ainda e, principalmente, que seja menor de idade.
Cabe, em ínterim textual, esclarecer sentido de prioridade a que se refere o Art. 227 da Constituição Federal em relação aos direitos dos sujeitos referidos nesse estudo, qual sejam, a criança e o adolescente, que  nos remete em primeiro momento, ao senso comum.
Para Bechara (2011) prioridade é “precedência dada a alguém, ou a algo, por necessidade, importância, etc.; primazia (p. 954)”, o que, de antemão, nos remete ao entendimento que em toda e qualquer situação em que se envolvam os sujeitos aqui estudados eles terão atenção primaz, ou seja, em primeiro lugar.
Nesse sentido e intuindo dirimir quaisquer dúvidas o Estatuto da Criança e do Adolescente esclarece prioridade, no contexto do cotidiano de crianças e adolescentes no parágrafo único do Art. 4 onde se lê:
Parágrafo Único – a garantia de prioridade compreende:
a)     A primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstancias;
b)    Precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c)     Preferência na formulação e na execução das políticas sociais e públicas;
d)    Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA, 2009, p. 46).
Além da precedência e primazia destacada por Bechara (2011) preferência e privilegio são condições a serem dispensadas tanto à criança quanto ao adolescente nos “serviços públicos ou de relevância pública”.
Uma observação do conteúdo deste parágrafo remete à percepção que todos os itens se mostram interessantes no que se refere a medidas de atenção ao menor ante o serviço e políticas públicos. Porém merece atenção particular os itens “c” e “d” que tratam, respectivamente, de execução de políticas sociais e públicas e da destinação (...) de recursos públicos com fins específicos que respeitem à infância e à juventude.
O que se percebe, segundo o Art. º e seu Parágrafo Único é que, teoricamente, cuidar dos sujeitos a que se referem ambos os textos – Constituição Federal e ECA – não há nenhum problema de impedimento, o que nos levaria ao entendimento de confiabilidade que os serviços e as intenções epigrafados são bons para os fins a que se destinam o que, por si somente, ratifica a finalidade do objeto deste estudo, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

2.4.2 Os preceitos do Sinase na execução de processos socioeducativos.
           
De acordo como Sinase, na execução das medidas socioeducativas alguns princípios terão que serem observados, estes intuindo o zelo integral da pessoa do menor infrator. Neste sentido o inciso I do art. 35 deixa clarificado que o menor (adolescente) não poderá “receber tratamento mais grvoso que o conferido ao adulto (SINASE, art. 35, caput, 2012)”.
Além disso, a excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, a prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas, a proporcionalidade em relação à ofensa cometida,, a brevidade da medida em resposta ao ato cometido, a observação das circunstancias pessoais do adolescente, mínima intervenção dos órgãos nos objetivos da medida, o cuidado para que não haja manifestação discriminatória sob qualquer aspecto e o fortalecimento dos laços familiares e comunitários no processo educativo são passos a serem observados na execução desse processo.
Todos estes princípios estão explicitados com exatidão no anexo III.
Observados estes princípios e para que as medidas socioeducativas se apresentem dentro do perfil estabelecido e condizente com a realidade expressa do Sinase, convém que se observe, ainda, a composição dos direitos individuais do adolescente no cumprimento de medidas socioeducativas, conforme o exposto no art. 49, incisos e parágrafos (vide anexo IV).


3.     CONSIDERAÇÕES

O objetivo ao ser alcançado quando da idealização desta pesquisa foi “enfatizar a legitimidade dos preceitos contidos no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, para a efetivação de medidas socioeducativas”.
No decorrer da pesquisa, no entanto, percebeu-se haver uma lacuna a ser preenchida no tocante à regulamentação ou, em outro viés, que estabelecesse normas gerais e específicas direcionadas ao cuidado com a pessoa integral do adolescente que se encontra na condição de menor infrator. Foi assim que chegou-se ao Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, sistema este que prescreve, conforme os anexos padrão ou, se assim for preferido, sistematização dos processos socioeducativos.
Feito isto e amparado pelo Art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil que designa a tríade família, sociedade e Estado na condução e zelo de aspectos cuidativos da criança e do adolescente, tornando possível responder se é viável um projeto de ressocialização que seja, ao mesmo tempo, punitivo, corretivo e instrumento de inserção social visando o bem estar do menor infrator o que, de antemão, já é possível responder que sim.
Convém ressaltar, porém, que este questionamento partiu da premissa que o menor infrator é um ser social que se mostra carente de cuidados singulares e que, apenas uma medida punitiva, poderia tornar seus conflitos pessoais e sociais maiores, dificultando seu retorno ao convívio social. Daí a preocupação em estabelecer a necessidade de correção e mais além, inserção desse sujeito social à sua comunidade através de projetos voltados e preparados para tal tarefa.
Como, porém, ou em que se basearia este projeto para denotar credibilidade na sociedade, de um modo geral?
Tal questão nos remete ao título desta pesquisa, qual seja, o menor infrator e o projeto de ressocialização: o ECA como instrumento diretivo das medidas socioeducativas.

Diz-se “o ECA como instrumento diretivo (...)” por ser este um código preceitual que estabelece direitos e deveres de crianças e adolescentes e que, além disso, versa sobre comportamentos diversos destes enquanto agentes sociais, há mais de 25 anos, “dispondo sobre a proteção integral da criança e do adolescente (ECA, 2009, Art. 1º)”.
Como já citado no corpo desta pesquisa, o art. 3º do código supracitado esclarece o gozo dos direitos fundamentais da pessoa humana por estes menores. Ora, se como cidadão comum exercem tais direitos é presumível que na excepcionalidade e acometimento de ato infracional o mesmo também seja portador do merecimento regidos por critérios normativos e estabelecidos para esse fim. Será pois, nesse momento e com a percepção de que algo mais que se efetivou o “casamento” entre os preceitos do ECA e as normatizações do Sinase.
No ECA, o art. 112 estabelece as disposições gerais das medidas socioeducativas após a verificação da prática do ato infracional. O art. 35 do Sinase rege a execução destas medidas socioeducativas, estabelecendo princípios para tal execução.
Sobre a internação do menor infrator o ECA se pronuncia afirmando que esta “constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento (ECA, 2009, art. 121)”; O artigo 49 discorre sobre os direitos individuais do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa.
            A partir da observação destes preceitos, da exemplificação da prática de ato infracional por crianças e adolescentes e da verificação do cuidado do Poder Público em estabelecer regras para a organização funcionamento de instituições, de preparo do pessoal que atuará junto a este menor infrator, bem como a designação de metodologia a ser aplicada, na condução do cotidiano do educando socialmente sujeito ao processo socioeducativo e, respondendo ao questionamento proposto quando iniciada esta pesquisa assim cremos:
a)     Se observados os preceitos do ECA no que tange ao reconhecimento da condição do menor infrator
b)    Se verificadas as disposições dos Artigos 112 e 121 bem como as normatizações do Sinase constantes  nos anexos deste trabalho,
Responde-se positivamente no sentido de que é possível a ressocialização do menor infrator através de um projeto que ao  tempo em que seja punitivo, seja também corretivo e instrumento que venha a inserir este adolescente/jovem ao  convívio social que , não fosse as mazelas a que todos, de um modo geral, nunca deveria ter saído.
Assim fazendo a família, a sociedade e o Estado, ao se fazerem presentes na vida destes jovens ressocializandos estão, além de cumprindo um dever, estão resgatando um ser social importante dentro do sistema da sociedade.

REFERÊNCIAS

BECHARA, Evanildo. Dicionário da Língua Portuguesa Evanildo Bechara.  1. ed. – Rio de Janeiro: editora Nova Fronteira, 2011.

BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.) Cidadania, um projeto em construção: minorias, justiça e direitos. – 1. ed. – São Paulo: Claro Enigma, 2012.

_____ Brasil. ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente. Prefeitura de São Paulo: Secretaria Municipal de Participação e Parceria. – São Paulo: CTP, impressão e acabamento, 2009.

_____ Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Obra coletiva da Editora Saraiva. 27. ed. – São Paulo: Saraiva, 2001 – (Coleção Saraiva de Legilação).

EXUPERY, Antoine de S. o pequeno príncipe. Adap. Ruy Pereira. – São Paulo; Editora Escala, 2015.

FRAZÃO, Felipe; COURA, Kalleo; BARROS, Mariana. Justiça só para maiores. In.: Revista VEJA. Edição 2430, ano 48, nº 24, 17 de junho. – São Paulo: Editora ABRIL, 2015.

MAGDALENA, José Carlos. Bandoleira. – São Paulo: Editora Letras Jurídicas, 2007 (Serie Depoimentos).

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual do Direito Penal. Parte geral. 24. ed. – São Paulo: Atlas, 2008.

LICCIARD, Lívia Maria Silva; RAMOS, Adriana de Melo. Por onde começa a superação da violência na escola? In.: TOGNETTA, Luciene Regina Paulino. É possível superar a violência na escola? – construindo caminhos pela formação moral. Luciene Regina Paulino Tognetta/ Telma Pileggi Vinha (Orgs.). – São Paulo: Editora do Brasil: Faculdade de Educação UNICAMP, 2012. – (Coleção práxis educação).

SALOMÃO. In.: Bíblia Sagrada – Tradução João Ferreira de Almeida. Ed. revista e corrigida. Co-edição (JUERP) Imprensa Bíblica Brasileira. 7º ed.  – São Paulo, King Cross publicações, 2013


A REFORMA E AS SOLAS

Reforma Protestante – nome dado ao movimento reformista que surgiu no cristianismo em 1517 por meio do monge agostiniano Martinho Lutero. A ...