terça-feira, 21 de março de 2017

Um fazendeiro nordestino fala do cangaço.

O texto a seguir foi extraído do livro de  Alves; Belisário (2004) e se encontra transcrito na sua forma original, daí se verificar linguagem rebuscada que se caracteriza em deformação semântico/ortografico.
O propósito, em se mantendo sua forma original, é aproximar o leitor da linguagem coloquial do homem do interior e somente isso. A cultura interiorana, a forma de falar do “matuto” é conveniente ao conhecimento e o texto aqui se torna, em função disso, interessante e agradável. Não é apologia; trata-se apenas de uma fora gostosa de ler sobre o pensamento do nordestino sobre “poliça”, cangaço e outros afins. Boa leitura para todos. 

Um fazendeiro nordestino fala do cangaço.

-- Quero mais ante me ver neste oco do mundo, às volta com bandidos que com soldado de poliça. Me creia que os mata-cachorrro quando sai da capital, veem com o pensamento fixo em que todo matuto protege cangaceiro. Querem, por fina força, que a gente descubra o roteiro dos criminosos. Si o freguez diz que inguinora, apanha para descobrir; e descobre também apanha, proque é sinal que, conhecendo, protege quem eles caçam... ninguém escapa...
    E os bandoleiros?
    Abém, esses estão no seu papel...  A não ser um ou outro cabra desalmado, eles só fazem mal a nós quando andam aperreados pela poliça, quando desconfiam que se deu notícia deles à tropa do governo.
    Mas, se os policiais cometem abusos, porque os senhores não os denunciam às autoridades?
    Só se fosse maluco!   Ter questão com soldado é ter questão com o gunverno, e ter questão com o gunverno é não ter amor à vida. Um tenente no sertão manda mais que um Juiz de Direito. Si dependesse de mim, o gunverno não mandava força pro interior. A gente ficava só com os cangaceiros, era só uma desgraça em vez de duas... Muito despropósito, muito abissurdo que se cuida, por ahí afora, que foi feito por cangaceiro uma ova; foi, mas – a poliça!... Ninguém é besta para negar comida, roupa, cigarro ou cachaça a cangaceiro. Pra que diabo, então, é que bandido quer dinheiro? Só pode ser pra comprar a poliça que lhe arranja munição... (os soldados) acoitam, prendem, judiam, desonram matam tocam fogo, robam, fazem tudo que é espritação do demônio. Imitam os bandidos desde o procedimento até os traje e modo presepeiro de se armarem... São assim covardes, não querem topar com quem perseguem, mas fazem o justo pagar pelo pecador. O que mais raiva me faz é saber que só pobres sem defesa é que padece...
(FACÓ, Rui. Cangaceiross e fanáticos. In: ALVES, Kátia Corrêa Peixoto; BELISÁRIO, Regina Célia de Moura Gomide. Diálogos com a história. História – 8ª série. – Curitiba: Nova Didática, 2004).


-- Quero mais ante me ver neste oco do mundo, às volta com bandidos que com soldado de poliça. Me creia que os mata-cachorrro quando sai da capital, veem com o pensamento fixo em que todo matuto protege cangaceiro. Querem, por fina força, que a gente descubra o roteiro dos criminosos. Si o freguez diz que inguinora, apanha para descobrir; e descobre também apanha, proque é sinal que, conhecendo, protege quem eles caçam... ninguém escapa...
    E os bandoleiros?
    Abém, esses estão no seu papel...  A não ser um ou outro cabra desalmado, eles só fazem mal a nós quando andam aperreados pela poliça, quando desconfiam que se deu notícia deles à tropa do governo.
    Mas, se os policiais cometem abusos, porque os senhores não os denunciam às autoridades?
    Só se fosse maluco!   Ter questão com soldado é ter questão com o gunverno, e ter questão com o gunverno é não ter amor à vida. Um tenente no sertão manda mais que um Juiz de Direito. Si dependesse de mim, o gunverno não mandava força pro interior. A gente ficava só com os cangaceiros, era só uma desgraça em vez de duas... Muito despropósito, muito abissurdo que se cuida, por ahí afora, que foi feito por cangaceiro uma ova; foi, mas – a poliça!... Ninguém é besta para negar comida, roupa, cigarro ou cachaça a cangaceiro. Pra que diabo, então, é que bandido quer dinheiro? Só pode ser pra comprar a poliça que lhe arranja munição... (os soldados) acoitam, prendem, judiam, desonram matam tocam fogo, robam, fazem tudo que é espritação do demônio. Imitam os bandidos desde o procedimento até os traje e modo presepeiro de se armarem... São assim covardes, não querem topar com quem perseguem, mas fazem o justo pagar pelo pecador. O que mais raiva me faz é saber que só pobres sem defesa é que padece...
(FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos. In: ALVES, Kátia Corrêa Peixoto; BELISÁRIO, Regina Célia de Moura Gomide. Diálogos com a história. História – 8ª série. – Curitiba: Nova Didática, 2004).


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