sábado, 9 de janeiro de 2016


Patativa do Assaré

Com zelo particular pela Literatura de Cordel – aprecio outros gêneros literários – deparei-me com esse poema de Antônio Gonçalves da Silva, que me fez recordar a Professora Marcia Amaral, do Synésio Rocha (São Paulo). O seu gosto pela poesia é singular ao ponto de promover, entre as crianças da escola, a prática da leitura e recitação de poemas, além da participação em concursos do gênero.

Foi em uma conversa informal, no dedilhar de um violão – a professora Marcia entende do riscado e toca Adriana Calcanhoto com autoridade – que ouvi falar da “Patativa do Assaré”. Daí  comecei, tardiamente, a conhecer – e a gostar – da sua expressão artística. O texto a seguir faz parte da coletânea Aos poetas Clássicos.


Poetas niversitários
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Nesse livrinho apresento
O prazer e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Nesse meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô da minha idade,
Só tive a felicidade
De um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figura de capa,
E  no começo se lia:
A pá – o dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisas bonitas
Que o meu coração parpita.

Quando eu pego a rescordá
Foi os livros de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livros eu li,
Fiquei me sentindo bem,
E ôtras coisinhas aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa da minha terra
E a vida de minha gente.

Cheio de rima e sentindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não fica parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou fica,
A minha resposta é esta:
- Sem rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primo;
Não merece munta parma,

É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.
[...]

(In: BARRETO, Ricardo Gonçalves, 2010, p. 232).

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