terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Os meandros dos censores Militares

Cálice

A turbulência política pela qual a sociedade, de um modo geral, se depara no dia a dia em nada se compara com as agruras do período conhecido como Ditadura Militar, Governo dos Generais ou genérica e popularmente, Revolução. Foram vinte e um anos – 1964/85 – de encabrestamento e sujeição aos diversos quereres dos generais usurpadores, mas que por algum motivo já se encontra apagado da memória do povo brasileiro, haja vistas que, ante o que acontece no presente, alguns conclamam que “é melhor voltar ao tempo da Ditadura”. Para os que pensam assim, convém observar o que Jó, homem que viveu provações inimagináveis nos tempos bíblicos, disse à sua esposa, a propósito de uma ideia sua: “como fala qualquer doida, assim falas tu (Bíblia Sagrada, Jó 2:10).

Culturalmente foi um período de agitação grandioso, não menosprezando outros aspectos sociais. Alguns atores e artistas se viram, de um instante para outro, perseguidos sem “acanhamento”; outros, de maneira menos velada. A título de exemplo, um cantor popular e que hoje seria rotulado de brega – Waldick Soriano – sempre foi observado de perto, motivado por uma música sua intitulada Eu não sou cachorro não. Elba Ramalho com a sua Nordeste independente, que apregoava, entre outras situações, que ao tornar-se independente, o hino nacional nordestino seria “Asa Branca”, do saudoso Luís Gonzaga, e a bandeira seria de renda cearense – o que configura sugestão interessante por representar cultura regional, justamente o cerne da perseguição dos comandantes.

Ao participar do III Festival Internacional da Canção Geraldo Vandré apresentou-se com uma música singular, vez que à mesma eram conferidos três títulos: Pra não dizer que não falei das flores; Caminhando e (ou) Sexta coluna. A referida música foi considerada “atentatória” pelos dirigentes nacionais, principalmente após a plateia delirar com o novo “Hino Nacional”, fato que levou o general Luís de França a concluir que “essa música é atentatória à soberania do país, um achincalhe às Forças Armadas e não deveria nem mesmo ser inscrita” (VENTURA, 1988).

A Roda Viva, do Chico Buarque, O Último tango em Paris, com o inigualável – e belo – Marlon Brando e o ícone das músicas francesas da época, Je taime mon on plus, interpretada por Jane Birkin e Serge Gainsburg, com seus incomparáveis gemidos e sussurros de conotações sexuais também representavam, segundo os censores dos quartéis, atentado e passaram pelo “crivo” da preservação dos bons costumes da Revolução.

Mas “Julinho de Adelaide”, pseudo de Chico Buarque de Holanda, não foi mirado apenas por Roda Viva. “Geni”, no final da década de 1970 e “Cálice”, cantada em parceria com Milton Nascimento também continham mensagens impróprias para um Estado Revolucionário, segundo os que estavam à frente da nação. Esta ultima – Cálice – tem se tornado mais emblemática em função dos “pretextos” e “carimbos” que a desautorizava a fazer parte do repertório musical da época. A titulo de ilustração anexamos uma cópia da referida música, devidamente marcada com carimbos e observações que destacavam o repúdio dos militares responsáveis pela gerência do comportamento dos brasileiros durante a vigência da Ditadura Militar no Brasil.




Fontes
Bíblia Sagrada. Almeida Século 21. Rio de Janeiro: Vida Nova, 2013
Cancioneiros Populares
DVD NFK 072, AA0010500
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou – A aventura de uma geração. – Rio de Janeiro: Nova Fonteira, 1988
FERRARI, Solange dos Santos Utuari. Por toda parte: Volume Único. - 1ª ed. - São Paulo: FTD, 2013.



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