quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Leitura em 2017

Horas decisivas 22 – O tempo gasto com a leitura e o prazer de uma realização pessoal.








Diferentemente de anos anteriores quando apresentei a relação dos livros lidos durante o ano, apresento a leitura realizada em 2017 na forma de texto, onde o título lido aparece fazendo parte do enredo proposto. A intenção é proporcionar aos leitores do blog uma facilidade na hora de acompanhar os nossos escritos. Um abraço.

“ .  .  .”

Quando cheguei a casa encontrei o ofício na caixa do correio. Entre as diversas correspondências, chamou-me a atenção o timbre oficial do cartório no envelope, o que me levou a refletir se porventura eu teria algum processo em andamento na justiça; não encontrei nada acusador em minha mente e, apesar do cansaço do trabalho e da fadiga de um trânsito que parece sempre estar querendo nos enlouquecer, desisti momentaneamente do merecido e relaxante banho para conhecer o teor contido naquele documento. Precisava saber o que levara o cartório a me procurar.
Era uma convocação. Estava sendo comunicado que faria parte da audiência a realizar-se em dia e local especificado para a escolha dos membros que comporiam o corpo de jurados do caso o Estado contra. . . ou seja, eu faria parte d’ O Júri1 a partir de. . .

De momento pensei tratar-se de uma brincadeira que o destino estava fazendo comigo; é isso! Era apenas Um capricho dos deuses². Durante os próximos seis ou oito meses eu estaria ocupado, ou melhor, ocupadíssimo, com diversas palestras, oficinas e seminários a ser organizados e realizados, inclusive na semana em que ocorreria a sessão para a escolha dos jurados, um processo que por si só se revela estafante, além de um simpósio que ocorreria nos próximos três dias, onde o tema a ser debatido seria Revolução e Cultura³, com uma abordagem de diversos aspectos da política de esquerda nacional. Certamente eu não precisaria de mais esse componente ativo na minha rotina.
Enquanto meditava nesse novo rumo para o qual deveria direcionar os meus projetos vi, pela janela próxima, que nuvens plúmbeas se formavam no céu visível de onde eu me encontrava. Não demorou um instante para que a chuva caísse. Calma em seu início depois, um tremendo temporal. Parecendo até que O céu está caindo4, trazendo consigo todos os dissabores de um mini vendaval. Fiquei algum tempo por ali. Gosto de contemplar chuva. É possível até que se houvera mais amena tomaria um banho. Também gosto disso.
Enquanto observava o pequeno dilúvio que se configurava após a minha janela pus-me a folhear minha agenda – que em nada poder-se-ia comparar à Agenda Icarus5, na esperança de encontrar uma solução “pacífica” para esse novo problema que haveria de enfrentar. É certo que ao olhar por um determinado prisma, esta convocação é algo extremamente honroso, gratificante do ponto de vista de status, mas que demanda tempo algo que definitivamente eu não teria até ao final do ano, daqui a aproximadamente pouco mais de oito meses.

Na escrivaninha ao meu lado se encontrava, ainda, o rascunho da dissertação Combate nas trevas6,, um estudo que levantava a situação da esquerda brasileira e todas as ilusões perdidas durante o regime de exceção, período da vigência da Ditadura Militar no Brasil, iniciada a 1º de abril de 1964 – uma verdadeira Subida para o inferno7, ida sem volta. Essa dissertação seria apresentada – em forma de palestra – daqui a duas semanas.
Sacudi a cabeça várias vezes na tentativa de organizar os pensamentos, por um lado, não ajudou; por outro, me induziu a pensar em Marnie8, pensamento este que me fez enveredar pelas belas paisagens das terras escocesas, quando por lá estivemos em férias durante longo período do último verão passado. As longas festas noturnas baseadas em gaitas de foles e regadas a muito vinho; os banhos de praia ao amanhecer com direito às belas vistas das montanhas da costa da Escócia, banhada pelo sol da manhã o que fez com que ela – Marnie – batizasse esse período de O verão do lobo vermelho9, sendo que até hoje, quando ainda nos encontramos, tento arrancar-lhe o porquê desse apelido.

Lá fora a chuva dava sinais de desistir da tarefa de me convidar a um banho. Já era possível se perceber espaços claros no céu até onde a vista alcançava. Sentindo um pouco de frio procurei algo para beber, ainda com o pensamento voltado para Marnie e tudo o que vivemos nos dias de nossas férias. Boas lembranças, é certo. Mas precisava ir em frente e imediatamente me pus a especular o amanhã – Se houver amanhã10 pra mim, com tantas coisas para serem definidas e organizadas no pouco tempo que me dispunha. Resta, pois, associar-me à calma que reinava lá fora após a parada da chuva para que consiga fixar um ponto de partida para o que tenho que fazer; definir as prioridades, anular o que possa ser anulado e montar um plano de ação para os próximos dias. Sei que para isso terei que realizar um circuito de mudanças de 360º nessa tarefa, o que não será nada fácil, reconheço, em vista aos compromissos assumidos já se encontrarem definidos e confirmados. Então, mãos à obra!
Margareth! Margareth! – esse é o verdadeiro nome de Marnie – bom seria se ela estivesse aqui agora. Tudo então se revelaria não mais fácil, porém aceitável ante a sua capacidade apaziguadora, até mesmo em relação ao tempo e ao espaço; Marnie torna tudo mais confortável...

Lembro-me de quando escalamos – somente ela e eu – o Kota11, um dos mais desafiadores, e porque não dizer o mais perigoso monte a ser escalado nos E.U.A. Tal recordação remete às fatídicas Lembranças da mei-noite12, o momento em que nos aproximamos da parte mais difícil da escalada e ela – Marnie – torceu o tornozelo e tivemos que enfrentar o frio e a escuridão, vez que o ponto escolhido para repouso seria um pouco mais acima. Não fosse suas convicções perseverantes e a lucidez em momentos difíceis, jamais, sem ela, teria conseguido enfrentar semelhante dificuldade.
Penso, e penso outra vez. Por onde andará Margareth, minha adorada Garota do tambor13? – era assim que costumava, em momentos de descontração, chamá-la. Simples alusão a um livro que ela lia quando a conheci. Marnie, minha adorada Marnie, quando encerrarás o teu Exodus14  auto imposto e te voltarás a mim e para mim novamente?
Sinto-me cansado. Pelo dia; pelos acontecimentos; pelo acúmulo de emoções contidas desde as primeiras horas do dia, que para mim começou por volta das 5h00... e até pela perspectiva de me encontrar ocupado nos próximos dias, semanas e meses. Conforta-me, no entanto, o simples fato de estar aqui. Gosto da casa e do espaço que tenho onde moro. É uma casa remanescente dos tempos coloniais, outrora uma fazenda; hoje, um sítio, ainda que se conserve, por ser patrimônio cultural, a Casa grande e (a) senzala15, tendo sido retirados apenas alguns pormenores arquitetônicos e mobiliários e acrescentados tantos outros, a bem da estética e conforto meus e de possíveis convivas. À frente da casa corre um pequeno regato que, por suas águas límpidas e pela calmaria reinante em seu curso, muito me faz lembrar O Rio das flores16, boas recordações do tempo em que pairei por terras lusitanas.
Malgrado o isolamento, a distância de outras moradias e, por conseguinte, o pouco convívio com outras pessoas, gosto muito  do meu lugar pois me identifico com o que tenho e com o que vejo ao derredor; pelo seu valor material e imaterial, ainda que o conjunto possa representar, numa avaliação convencional, Uma fortuna perigosa17, aqui uma mistura eufemística/metafórica que encerra a riqueza tangível e intangível do que fora, em tempos de Brasil-colônia, um dos maiores engenhos de cana-de-açúcar nordestinos. Tal reflexão me traz à mente a quebra, não de O quarto protocolo18 mas de um compromisso assumido em preservar a memória do lugar, para manter viva a sua história, fomentando o conhecimento de como funcionavam as estruturas básicas da construção do que hoje gritamos, de peito aberto, “terra adorada”, ou simplesmente, mas com amor, chamamos Brasil! – Ao menos no sentido de anunciação, tenho falhado nesse compromisso.
Tanto labor me exaspera, mas reconforta e são esses sentimentos que me impelem a conservar esta terra onde O sol também se levanta19. Irei sim, me imbuir de vontade e de “sentimento cívico” – afinal sou cidadão – e até me preparar para compor o quadro de jurados, compromisso este de representar, no bojo de situações diversas e complicadas pelas quais já passei A segunda vitória20, considerando como primeira a conquista e o adquirimento deste belo local transformado em minha moradia.
Assim, resigno-me e esqueço a fadiga – até já torço pra ser um dos membros escolhidos para formar o corpo de jurados naquele dia – e me envolverei nesta nova empreitada. Como disse, já estou conseguindo gostar da ideia; bem mais do que gostaria. Um evento oficial, jurisprudente, com audiência, canais de mídia diversos presentes e os mais variados tipos de pessoas que, de hora pra outra se transformaram em candidatos a jurados que irão decidir destinos.
É como se esse novo fato que se apresenta a mim – o júri – com todas as suas nuances e representações, já estivessem, deste a muito tempo e no que se refere a mim, Escrito nas estrelas21.

Por isso, pois, contem comigo!

Notas:
1 – GRISHAN, John. 1998
2 – SHELDON, Sidney. 1987
3 – IANNI, Otavio. 1983
4 – SHELDON, Sidney. 2000
5 – FOLLET, Ken. 1989
6 – GORENDER, Jacob
7 – GREELEY, Andrew M. 1983
8 – GRAHAN, Winston, 1981
9 – WEST, Morris. 1971
10 – SHELDON, Sidney. 1985
11 – FORSYTHE, Richard. 1998
12 – SHELDON, Sidney. 1980
13 – LE CARRÉ, John. 1983
14 – URIS, Leon. 1981
15 – FREYRE Gilberto. 2006
16 – TAVARES, Miguel de Sousa. 2008
17 – FOLLET, Ken. 1993
18 – FORSHYTH, Frederick. 1984
19 – HERMINGWAY, Ernest. 1981
20 – WEST, Morris. 1985
21 – SHELDON, Sidney.  1992
22 – TOUGIAS, Michael J.; SHERMAN, Casey. 2016.







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