Horas
decisivas 22 – O tempo gasto com a leitura e o prazer
de uma realização pessoal.
Diferentemente de anos
anteriores quando apresentei a relação dos livros lidos durante o ano,
apresento a leitura realizada em 2017 na forma de texto, onde o título lido
aparece fazendo parte do enredo proposto. A intenção é proporcionar aos
leitores do blog uma facilidade na hora de acompanhar os nossos escritos. Um
abraço.
“ . . .”
Quando cheguei a casa
encontrei o ofício na caixa do correio. Entre as diversas correspondências,
chamou-me a atenção o timbre oficial do cartório no envelope, o que me levou a
refletir se porventura eu teria algum processo em andamento na justiça; não
encontrei nada acusador em minha mente e, apesar do cansaço do trabalho e da
fadiga de um trânsito que parece sempre estar querendo nos enlouquecer, desisti
momentaneamente do merecido e relaxante banho para conhecer o teor contido
naquele documento. Precisava saber o que levara o cartório a me procurar.
Era uma convocação. Estava
sendo comunicado que faria parte da audiência a realizar-se em dia e local
especificado para a escolha dos membros que comporiam o corpo de jurados do
caso o Estado contra. . . ou seja, eu
faria parte d’ O Júri1 a
partir de. . .
De momento pensei tratar-se
de uma brincadeira que o destino estava fazendo comigo; é isso! Era apenas Um capricho dos deuses². Durante os
próximos seis ou oito meses eu estaria ocupado, ou melhor, ocupadíssimo, com
diversas palestras, oficinas e seminários a ser organizados e realizados, inclusive
na semana em que ocorreria a sessão para a escolha dos jurados, um processo que
por si só se revela estafante, além de um simpósio que ocorreria nos próximos
três dias, onde o tema a ser debatido seria Revolução
e Cultura³, com uma abordagem de diversos aspectos da política de esquerda nacional.
Certamente eu não precisaria de mais esse componente ativo na minha rotina.
Enquanto meditava nesse novo
rumo para o qual deveria direcionar os meus projetos vi, pela janela próxima,
que nuvens plúmbeas se formavam no céu visível de onde eu me encontrava. Não
demorou um instante para que a chuva caísse. Calma em seu início depois, um
tremendo temporal. Parecendo até que O
céu está caindo4, trazendo consigo todos os dissabores de um
mini vendaval. Fiquei algum tempo por ali. Gosto de contemplar chuva. É
possível até que se houvera mais amena tomaria um banho. Também gosto disso.
Enquanto observava o pequeno
dilúvio que se configurava após a minha janela pus-me a folhear minha agenda –
que em nada poder-se-ia comparar à Agenda
Icarus5, na esperança de encontrar uma solução “pacífica” para
esse novo problema que haveria de enfrentar. É certo que ao olhar por um
determinado prisma, esta convocação é algo extremamente honroso, gratificante
do ponto de vista de status, mas que
demanda tempo algo que definitivamente eu não teria até ao final do ano, daqui
a aproximadamente pouco mais de oito meses.
Na escrivaninha ao meu lado
se encontrava, ainda, o rascunho da
dissertação Combate nas trevas6,,
um estudo que levantava a situação da esquerda brasileira e todas as
ilusões perdidas durante o regime de exceção, período da vigência da Ditadura
Militar no Brasil, iniciada a 1º de abril de 1964 – uma verdadeira Subida para o inferno7, ida
sem volta. Essa dissertação seria apresentada – em forma de palestra – daqui a
duas semanas.
Sacudi a cabeça várias vezes
na tentativa de organizar os pensamentos, por um lado, não ajudou; por outro,
me induziu a pensar em Marnie8,
pensamento este que me fez enveredar pelas belas paisagens das terras
escocesas, quando por lá estivemos em férias durante longo período do último
verão passado. As longas festas noturnas baseadas em gaitas de foles e regadas
a muito vinho; os banhos de praia ao amanhecer com direito às belas vistas das
montanhas da costa da Escócia, banhada pelo sol da manhã o que fez com que ela
– Marnie – batizasse esse período de O
verão do lobo vermelho9, sendo que até hoje, quando ainda nos
encontramos, tento arrancar-lhe o porquê desse apelido.
Lá fora a chuva dava sinais
de desistir da tarefa de me convidar a um banho. Já era possível se perceber
espaços claros no céu até onde a vista alcançava. Sentindo um pouco de frio
procurei algo para beber, ainda com o pensamento voltado para Marnie e tudo o
que vivemos nos dias de nossas férias. Boas lembranças, é certo. Mas precisava
ir em frente e imediatamente me pus a especular o amanhã – Se houver amanhã10 pra mim, com tantas coisas para serem
definidas e organizadas no pouco tempo que me dispunha. Resta, pois, associar-me
à calma que reinava lá fora após a parada da chuva para que consiga fixar um
ponto de partida para o que tenho que fazer; definir as prioridades, anular o
que possa ser anulado e montar um plano de ação para os próximos dias. Sei que
para isso terei que realizar um circuito de mudanças de 360º nessa tarefa, o
que não será nada fácil, reconheço, em vista aos compromissos assumidos já se
encontrarem definidos e confirmados. Então, mãos à obra!
Margareth! Margareth! – esse
é o verdadeiro nome de Marnie – bom seria se ela estivesse aqui agora. Tudo
então se revelaria não mais fácil, porém aceitável ante a sua capacidade
apaziguadora, até mesmo em relação ao tempo e ao espaço; Marnie torna tudo mais
confortável...
Lembro-me de quando
escalamos – somente ela e eu – o Kota11,
um dos mais desafiadores, e porque não dizer o mais perigoso monte a ser
escalado nos E.U.A. Tal recordação remete às fatídicas Lembranças da mei-noite12, o momento em que nos
aproximamos da parte mais difícil da escalada e ela – Marnie – torceu o
tornozelo e tivemos que enfrentar o frio e a escuridão, vez que o ponto
escolhido para repouso seria um pouco mais acima. Não fosse suas convicções
perseverantes e a lucidez em momentos difíceis, jamais, sem ela, teria
conseguido enfrentar semelhante dificuldade.
Penso, e penso outra vez.
Por onde andará Margareth, minha adorada Garota
do tambor13? – era assim que costumava, em momentos de
descontração, chamá-la. Simples alusão a um livro que ela lia quando a conheci.
Marnie, minha adorada Marnie, quando encerrarás o teu Exodus14 auto
imposto e te voltarás a mim e para mim novamente?
Sinto-me cansado. Pelo dia;
pelos acontecimentos; pelo acúmulo de emoções contidas desde as primeiras horas
do dia, que para mim começou por volta das 5h00... e até pela perspectiva de me
encontrar ocupado nos próximos dias, semanas e meses. Conforta-me, no entanto,
o simples fato de estar aqui. Gosto da casa e do espaço que tenho onde moro. É
uma casa remanescente dos tempos coloniais, outrora uma fazenda; hoje, um
sítio, ainda que se conserve, por ser patrimônio cultural, a Casa grande e (a) senzala15, tendo
sido retirados apenas alguns pormenores arquitetônicos e mobiliários e acrescentados
tantos outros, a bem da estética e conforto meus e de possíveis convivas. À
frente da casa corre um pequeno regato que, por suas águas límpidas e pela
calmaria reinante em seu curso, muito me faz lembrar O Rio das flores16,
boas recordações do tempo em que pairei por terras lusitanas.
Malgrado o isolamento, a
distância de outras moradias e, por conseguinte, o pouco convívio
com outras pessoas, gosto muito do meu
lugar pois me identifico com o que tenho e com o que vejo ao derredor; pelo seu
valor material e imaterial, ainda que o conjunto possa representar, numa
avaliação convencional, Uma fortuna
perigosa17, aqui uma mistura eufemística/metafórica que encerra
a riqueza tangível e intangível do que fora, em tempos de Brasil-colônia, um
dos maiores engenhos de cana-de-açúcar nordestinos. Tal reflexão me traz à
mente a quebra, não de O quarto protocolo18
mas de um compromisso assumido em preservar a memória do lugar, para
manter viva a sua história, fomentando o conhecimento de como funcionavam as
estruturas básicas da construção do que hoje gritamos, de peito aberto, “terra
adorada”, ou simplesmente, mas com amor, chamamos Brasil! – Ao menos no sentido
de anunciação, tenho falhado nesse compromisso.
Tanto labor me exaspera, mas
reconforta e são esses sentimentos que me impelem a conservar esta terra onde O sol também se levanta19. Irei
sim, me imbuir de vontade e de “sentimento cívico” – afinal sou cidadão – e até
me preparar para compor o quadro de jurados, compromisso este de representar,
no bojo de situações diversas e complicadas pelas quais já passei A segunda vitória20, considerando
como primeira a conquista e o adquirimento deste belo local transformado em
minha moradia.
Assim, resigno-me e esqueço
a fadiga – até já torço pra ser um dos membros escolhidos para formar o corpo
de jurados naquele dia – e me envolverei nesta nova empreitada. Como disse, já
estou conseguindo gostar da ideia; bem mais do que gostaria. Um evento oficial,
jurisprudente, com audiência, canais
de mídia diversos presentes e os mais variados tipos de pessoas que, de hora
pra outra se transformaram em candidatos a jurados que irão decidir destinos.
É como se esse novo fato que
se apresenta a mim – o júri – com todas as suas nuances e representações, já
estivessem, deste a muito tempo e no que se refere a mim, Escrito nas estrelas21.
Por isso, pois, contem
comigo!
Notas:
1 – GRISHAN,
John. 1998
2
–
SHELDON, Sidney. 1987
3 –
IANNI, Otavio. 1983
4 –
SHELDON, Sidney. 2000
5 –
FOLLET, Ken. 1989
6 –
GORENDER, Jacob
7 –
GREELEY, Andrew M. 1983
8 –
GRAHAN, Winston, 1981
9 –
WEST, Morris. 1971
10 –
SHELDON, Sidney. 1985
11
– FORSYTHE,
Richard. 1998
12 –
SHELDON, Sidney. 1980
13 –
LE CARRÉ, John. 1983
14 –
URIS, Leon. 1981
15 –
FREYRE Gilberto. 2006
16 –
TAVARES, Miguel de Sousa. 2008
17 –
FOLLET, Ken. 1993
18 – FORSHYTH,
Frederick. 1984
19 –
HERMINGWAY, Ernest. 1981
20 –
WEST, Morris. 1985
21 –
SHELDON, Sidney. 1992
22 – TOUGIAS, Michael J.; SHERMAN, Casey. 2016.
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