terça-feira, 15 de maio de 2018

Poemas do Drummond





ESTA FACA


Esta faca
foi roubada no Savóia”
“Esta colher
Foi roubada no Savóia”
“Este garfo...”

Nada foi roubado no Savóia
Nem tua virgindade: restou quase perfeita
entre manchas de vinho (era vinho) na toalha,
talvez no chão, talvez no vestido.

O reservado de paredes finas
forradas de ouvidos
e de línguas
era antes prisão que mal cabia
um desejo, dois corpos.

O amor falava baixo. Os gestos
falavam baixo. Falavam baixíssimo
os corpos, os talheres. Tua pele
entre cristais luzia branca.

A penugem rala
Na gruta rósea
Era quase silêncio.
Saíamos alucinados.

No Savóia nada foi roubado.


O CHÃO É A CAMA


O chão é a cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre o tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.



A OUTRA PORTA DO PRAZER


A outra porta do prazer,
porta que se bate suavemente,
seu convite é um prazer ferido a fogo
e, com isso, muito mais prazer.

Amor não é completo se não sabe
coisas que só o amor pode inventar.
Procura o estreito átrio do cubículo
aonde não chega a luz, chega o ardor
de insofrida, mordente
fome de conhecimento pelo gozo.

Andrade, Carlos Drummond de, 1902-1987. O amor natural. 5ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 1994.



  

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