O poema a
seguir é de autoria de Vinicius de Moraes e foi escrito em 1956. Ele descreve o
processo de tomada de consciência de um operário que viva em um trabalho
alienado.
Era ele que
erguia casas onde antes só havia chão.
Como um
pássaro sem assas ele subia com as asas que lhe brotavam da mão.
Mas tudo
desconhecia de sua grande missão: não sabia, por exemplo,
Que a casa
de um homem é um templo, um templo sem religião
Como
tampouco sabia que a casa que ele fazia
Sendo a sua
liberdade, era a sua escravidão.
De fato como
podia um operário em construção
Compreender
que um tijolo valia mais do que um pão?
Tijolos ele
empilhava com pá, cimento e esquadria
Quanto ao
pão, ele comia, mas fosse comer tijolo!
E assim o
operário ia com suor e com cimento
Erguendo uma
casa aqui, adiante um apartamento
Além uma
igreja, à frene um quartel e uma prisão: prisão de que sofreria
Não fosse
eventualmente um operário em construção.
Mas ele
conhecia esse fato extraordinário:
Que o
operário fazia a coisa e a coisa faz o operário.
De forma
que, certo dia à mesa, ao cortar o pão
O operário
foi tomado de uma súbita emoção
Ao constatar
assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão,
Era ele quem
fazia, ele, um humilde operário
Operário em
construção.
Olhou em
torno: a gamela, banco, enxerga, caldeirão
Vidro,
parede, janela, casa cidade, nação!
Tudo, tudo o
que existia era ele quem o fazia
Ele , um
humilde operário, um operário que sabia exercer a profissão.
Ah, homens
de pensamento, não sabereis nunca o quanto
Aquele
humilde operário soube naquele momento!
Naquela casa
vazia que ele mesmo levantara
Um mundo
novo nascia de que sequer suspeitava.
O operário
emocionado olhou sua própria mão
Sua rude mão
de operário, de operário em construção.
E olhando
bem para ela teve um segundo a impressão
De que não
havia no mundo coisa que fosse mais bela.
Foi dentro
da compreensão desse instante solitário
Que, tal sua
construção cresceu também o operário.
Cresceu em
alto e profundo, em largo e no coração
E como tudo
que cresce ele não cresceu em vão
Pois além do
que sabia – exercer a profissão,
O operário
adquiriu uma nova dimensão:
A dimensão
da poesia.
E um fato
novo se viu que a todos admirava:
O que o
operário dizia outro operário escutava.
E foi assim
que o operário do edifício em construção
Que sempre
dizia “sim”, começou a dizer “não”
E aprendeu a
notar coisas a que não dava atenção:
Notou que
sua marmita era o prato do patrão
Que sua
cerveja preta era o uísque do patrão.
E o operário
disse: não! e o operário fez-se forte
Na sua
resolução.
Como era de
esperar nas bocas da delação
Começaram a
dizer coisas aos ouvidos do patrão
Mas o patrão
não queria nenhuma preocupação.
-
“Convençam-no do contrario” , disse ele sobre o operário
E ao dizer
isto sorria.
Dia seguinte
o operário ao sair da construção
Viu-se
súbito cercado dos homens da delação
E sofreu por
destinado sua primeira agressão
Teve seu
rosto cuspido, teve seu braço quebrado
Mas quando
foi perguntado: o operário disse: não!
Em vão
sofrera o operário sua primeira agressão
Muitas
outras se seguiram, muitas outras seguirão.
Porém, por
imprescindível ao edifício em construção
Seu trabalho
prosseguia e todo o seu sofrimento
Misturava-se
ao cimento da construção que crescia.
Sentido que
a violência não dobraria o operário
Um dia
tentou o patrão dobrá-lo de modo contrário
De sorte que
foi levando ao alto da construção
E num
momento de tempo mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário fez-lhe esta
declaração:
- dar-te-ei
todo esse poder e a sua satisfação
Porque a mim
me foi entregue e dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo
de lazer, dou-te tempo de mulher,
Portanto,
tudo o que ver será teu se me adorares,
E, ainda
mais, se abandonares o que te faz dizer não.
Disse e
fitou o operário que olhava e que refletia
Mas o que
via o operário o patrão nunca veria
O operário
via casas e dentro das estruturas
Via coisas,
objetos, produtos, manufaturas.
Via tudo o
que fazia o lucro do seu patrão
E em cada
coisa que via misteriosamente havia
A marca da
sua mão, e o operário disse: não!
Loucura! –
gritou o patrão, não vês o que te dou eu?
- Mentira! –
disse o operário. Não podes dar-me o que é meu.
E um grande
silêncio fez-se dentro do seu coração
Um silêncio
de martírios, um silêncio de prisão.
Um silêncio
povoado de pedidos de perdão
Um silêncio
apavorado com medo em solidão
Um silêncio
de torturas e grito de maldição
Um silêncio
de fraturas a se arrastarem no chão
E o operário
ouviu a voz de todos os seus irmãos
Os seus
irmãos que morreram por outros que viverão
Uma
esperança sincera cresceu no seu coração
E dentro da
tarde mansa agigantou-se a razão
De um homem
pobre e esquecido
Razão porém
que fizera em operário construído
O operário
em construção.
MORAES, Vinicius. O operário em construção e outros poemas. In.: CARNEIRO, Lidiane. Educação de jovens e adultos, educação a
distância : filosofia, ensino médio, módulo 3, p. 13. – Curitiba: Base
editorial, 2013.
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