quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O homem da terra



Uma figura que quase tem desaparecido, no Brasil após as reformas sociais e as oportunidades dadas àqueles considerados de baixa renda, é a do lavrador. As dificuldades inerentes a quem vive no campo e depende das benesses naturais para sobreviver unidas à vontade de “melhorar de vida” na cidade grande tem feito com que muitos abandonem suas choupanas no interior – a maior incidência, sabe-se, é no Nordeste brasileiro, mas não exclusividade – e passem a sonhar e a sofrer em mundos desconhecidos, o mundo urbano.
Mas o lavrador que ficou persevera. Enfrenta as dificuldades da sua labuta, olhando para o céu constantemente à espera da chuva, sua aliada e sócia nos mistérios da plantação e colheita. Este é sofrido e carrega as marcas do sofrimento no seu corpo. É deste homem e para este que o poema O lavrador  fala e se dirige, louvando-o e o fazendo importante até aos olhos de Deus. Belo poema, que merece ser conhecido por aqueles que ainda não o conheciam. Eu sou um destes – que não conheciam O Lavrador.
Zeval Buemma
Floriano (PI), 09/nov./2016

O Lavrador
A tua mão é dura como a casca de arvore.
Ríspida e grossa como um cacto.

Teu aperto de mão machuca a mão celeste,
de tão agreste – e naturalmente por falta de tato.
A tua mão sabe o segredo
da lua e da floresta em seu explícito contato
com as leis ocultas da germinação.

Mão monstruosa, de tão áspera,
incapaz de qualquer carícia, órfã de sutileza,
indiferente ao cetim e ao veludo.

 Mão colorida,
em que moram os meses
com veias que mais parecem cipós encordoados;
com o dorso coberto de musgo
e em cuja palma, e em forma de M (que não quer dizer morte)
se encontram, ainda, os sinais fundos
dos quatro rios que existiram no paraíso terreal.

Mão aumentada pela santidade do trabalho.
suja de terra e enorme, mas principalmente enorme
como a estar sempre num primeiro plano
na sucessão das coisas – frutos, árvores, lavouras –
que saem dela ao fim de cada ano.

Se Cristo regressar, ó lavrador, não é preciso que lhes mostres
como eu, as feridas do corpo e do pensamento.
Nem as condecorações faiscantes que os outros ostentam no peito.

Mostra-lhe a mão calejada.
Mostra-lhe a mão calejada,
enorme, a escorrer seiva, sol e orvalho.
E os anjos virão vê-la e por vê-la tão grossa e dura
farão com que na palma de tua mão nasçam lírios.
E a exibirão no céu, como objeto desconhecido, rústico e maltratado.

E Deus colocará uma foice de prata
em tua mão grossa, ríspida e acostumada ao trato da terra terrível.
E te dirá:
Trabalharás agora no meu campo
orvalhado de estrelas
e dormirás sob a árvore da noite.

Cassiano Ricardo
In: MARINO, Elda Randoli.
Estudos de português para o 2º grau

Ed. do Brasil, 1980 

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